Algumas perguntas nos revelam mais do que podemos calcular. Um colega falando mal de outro, sem que ninguém perguntasse nada, revela mais sobre um do que sobre o outro; mais sobre o primeiro do que sobre o segundo. Um filho, um ato falho de alguém, um silêncio eloquente. Talvez por isso eu sempre prefira acordar e ficar em silêncio por um tempo. Talvez eu esteja tomando ciência das coisas, fazendo o download das tarefas do dia, repensando rotas e até evitando o estresse.
Outro dia, numa cena de cozinha, me perguntaram se eu como sempre a mesma coisa ao acordar. Respondi com um sorriso orgulhoso: sim. E completei: eu gosto da regularidade. Não me expressei de forma completa. Gosto também da previsibilidade. Em algum lugar, falei em rotina, o que é quase sempre malvisto. Cantarolei os primeiros versos da música do Chico. É isso, “todo dia ela faz tudo sempre igual”. Sem ninguém para sacudir, o negócio é fazer o café (capuccino, para ser exata) na máquina e comer o pãozinho na chapa. Sem extravagâncias, sem turbulências.
E como você faz em hotel? O hotel que me perdoe. Fico lá à procura de algo parecido com meu café e meu pãozinho. Nem sempre acho. A ostentação em pães e fornadas nem sempre atende. De que adianta? O mesmo com as surpresas que nos fazem. O melhor, a marca mais chique, o tipo mais raro, o modelo mais exclusivo… E se não for o que eu gosto? Vale o sorriso amarelo. Certa vez, ganhei uma poderosa máquina de café que não fazia capuccino. Um inutensílio, praticamente.
Você não sabe aproveitar a vida. Ah, quanta generosidade. Aproveite-a por mim. Esse povo que gosta de ir ao mesmo restaurante, pedir os mesmos pratos, conversar com os mesmos garçons, traçar os mesmos caminhos, viver uma pulsão de vida que passa pela repetição… Esse povo não sabe aproveitar nada. Melhor ser beija-flor, viver de bicadinhas rápidas. E aqui a ironia grassa.
Outro dia, fui duas vezes ao mesmo estacionamento. Não é lugar que eu frequente amiúde, mas conheço bem, está no meu radar. Numa ocasião especial, tive de parar o carro ali por duas vezes na mesma semana. Não é que me perguntaram se parei na mesma vaga? Ri honestamente. É sempre um pouco de delícia quando alguém demonstra uma atenção genuína, se arrisca a me conhecer (e a me prever). Respondi que não, mas só porque a vaga já estava ocupada naquele segundo dia. Se não estivesse… Mas o andar era o mesmo! Claro. Assim foi fácil me encontrar. Tudo, lógico, tem o lado bom e o lado mau, sem falar no lado mais ou menos.
Diz que a gente vai ficando mais sistemática quanto mais velha se torna. Não sei se concordo. Conheço quem tenha envelhecido se soltando das regularidades, até mesmo quem tenha perdido o contato com uma consciência organizada e organizadora. Quanto mais velha fico, mais sei o que quero e do que gosto. Às vezes aprendo algo novo, e quero ou gosto. Outras vezes, apenas digo: não gostei. Não repito. Que perdoem os que vivem do hype. Nem sempre sou permeável. Eu sempre digo: o ruído do mundo confunde a gente por dentro. Eu gosto de me ouvir.
Se eu tomo sempre o mesmo café da manhã? Quase sempre. Ou faço parecer que sim. Ou fico com saudade de casa. Ou adapto uma coisa aqui e outra ali. Ou posso incluir uma fatia de mamão, um kiwi comido na colher, um pão de incontáveis grãos. Tudo depende. Só não sou beija-flor. O que é bom é para se abraçar.