Uma (justa) preocupação de Affonso Romano

Interessante e, em certos aspectos, agudo o artigo Artes e artimanhas do mercado (site www.conopios.com.br), de Affonso Romano de Sant’Anna
Affonso Romano de Sant’Anna, autor de “A vida é um escândalo”
01/06/2007

Interessante e, em certos aspectos, agudo o artigo Artes e artimanhas do mercado (site www.conopios.com.br), de Affonso Romano de Sant’Anna, sobre o império do mercado na construção do valor do objeto estético. Parece que as coisas, em boa medida, ocorrem mesmo como o poeta e professor descreve. Afirma Affonso que, para um certo tipo de negociante, “não existe diferença entre arte, cerveja e sassafrás”. Afirma ainda: “Conhecer esses mecanismos [da arte contemporânea como negócio] é começar a perceber a diferença entre o mecenato na Renascença e no Barroco e o que ocorre em nossos tempos. Porque uma das argumentações ingênuas que circulam por aí é dizer que na história da arte sempre houve patrocinadores e colecionadores, e que os cardeais e papas de ontem apenas foram substituídos pelas fundações e milionários de hoje. Isto é uma falácia. Isto é uma desleitura da história da arte de ontem e um desconhecimento das diferenças em relação com o que ocorre hoje”. Recomenda, afinal, Affonso: “uma melhor compreensão do que está ocorrendo com as artes hoje não vem da leitura de reportagens sobre arte, nem do que dizem os críticos especialistas no setor, mas de áreas vizinhas. Ou seja: na hora em que o mercado é que determina totalmente o valor de uma obra, os especialistas em mercado devem ser ouvidos e serem chamados para analisar o fenômeno” [grifo meu]. O artigo, como se nota, é um tanto apocalíptico quanto às possibilidades da arte fora do âmbito do mercado. Penso, todavia, que ao artista, ao escritor, o papel da crítica e o valor que esta estabelece ainda pesam muito. Todo artista, apegado ao mercado ou não, com ou sem disfarces, acolhe na alma o reconhecimento sincero, competente. Todo artista precisa de uma recepção mais preparada. E este é o tipo do valor — ou de lógica — que o mercado talvez nunca consiga suplantar. Em literatura, por exemplo, há muita gente ainda que aprecia o bom texto, que reconhece em certa tradição um ponto de apoio para as suas medidas estéticas. E isso continuará por muito tempo ainda, acredito. Por muito tempo ainda correrão paralelos, às vezes com certos pontos de interseção, mercado e obra de qualidade. Convivência, afinal, que existe desde que existe mercado capitalista (ou, pelo menos, a partir de certo estágio da evolução burguesa). Mas a preocupação do professor Affonso Romano é mais do que justa — e seu texto, bem escrito como sempre, bem argumentado e apoiado em boas referências, pode ser um ponto de partida para observações muito mais profundas do que as minhas.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

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