Um marginal contemporâneo

No insubordinado "Asa de cigarro", Águia Mendes lembra Leminski e Bandeira, mas imprime marca própria na temática do descumprimento radical da língua
Águia Mendes, autor de “Asa de cigarro”
01/02/2022

A Patuá, de São Paulo, tem publicado bons títulos de poesia. Acabei de ler Asa de cigarro (2021 — prefácio de Sérgio de Castro Pinto), de Águia Mendes, e tive uma impressão muito positiva do livro. São poemas breves, com imagens instigantes, algumas sendo verdadeiros achados, e uma carga acentuada de humor e de descrença. Águia é um poeta amotinado, subversivo. Seus poemas lembram certos textos da poesia marginal — insubordinados às convenções da linguagem, insubmissos às regras de diagramação. A linguagem desautomatizada e/ou desfamiliarizada, sabemos, é o princípio central da poesia. Águia Mendes investe incansavelmente contra o clichê, e há momentos de instantâneos poéticos marcantes em seu livro. Síntese da descrença do poeta são estes versos: “minha mãe diz que/ o mundo/ com a graça de Deus/ ainda vai/ ser um lugar justo e bom/ como nos sonhos caiados/ vai porra nenhuma”. Ou ainda estes, de finíssima ironia aos que usurpam o nome de Deus: “Deus não existe/ mas não está morto”. Há, como já indicado, os instantâneos significativos: “como se/ gente fosse/ tijolo”, “ah torto amor/ amanhã te endireito”, “a raiva é/ a pólvora/ da mente”. A dicção da poesia marginal pode ser verificada em: “alugo poesias/ pra finais/ de semana”, “vendo/ um poema/ mobiliado”. Águia Mendes, em Asa de cigarro, nos poemas mais despojados, lembra Leminski, e, nos mais prosaicos, se ajusta à dicção de Bandeira. Mas tem sua marca própria, na temática do descumprimento, da radical insubordinação. A boa poesia precisa ser celebrada, sempre.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho