Contos de Carlos Ribeiro (2)

O escritor apresenta textos de alta voltagem poética e com enredos por vezes difusos, nos quais o que se destaca é o ambiente captado liricamente
O contista baiano Carlos Ribeiro
01/05/2021

“O quase drama do cotidiano burguês” é outra vertente do conto contemporâneo apontada por Alfredo Bosi que identifico nos Contos reunidos, de Carlos Ribeiro. Registro cortante do nosso conservadorismo — ou das relações no interior de uma instituição que protege o mais forte — é Cornélio, que aborda a opressão no sistema escolar no período da Ditadura de 64, representada especialmente pela “implacável professora” Carcará. O conto trata de uma transgressão — ou de uma proeza praticada pelo personagem-narrador (de excelente desenho na narrativa, com uma ambiguidade entre a culpa e o descaramento que lembra o melhor Machado de Assis). A proeza diz respeito a um desenho pornográfico de um dos professores da escola feito pelo personagem-narrador. Entre a ordem opressiva e o transgressor, vence este último. Mas vence por conta de um outro elemento que entra na história — o status ou o lugar social do transgressor, que é filho do vice-diretor noturno da escola. E é portanto protegido, acobertado. A dissimulação, o fingimento — enfim, o falso moralismo impõe-se entre os dirigentes da instituição escolar. O enviado, também tendo como pano de fundo a Ditadura de 64, aborda o preconceito de classe e de cor na sociedade brasileira. Mário, de classe média, politicamente conservador, defensor dos militares, após um mal entendido que decorre de uma ligação telefônica equivocada, se interessa (chega a idealizá-la) por uma desconhecida. Ele se desloca até o endereço da desconhecida — um prédio luxuoso que, na realidade, é o endereço do trabalho dela, já que a desconhecida se trata de Edna, uma empregada doméstica negra. No encontro, à porta do prédio, que tem com Edna, Mário rejeita de pronto a moça, se fazendo de desentendido ou mesmo disparatado. Um conto impiedoso no retrato de um Brasil intolerante, hostil com o desfavorecido. Mais um relato agudo sobre o conservadorismo, sobre o desprezo ao mais fraco. “Quase poema do imaginário às soltas” entram nessa vertente os contos breves do livro O homem e o labirinto & Fazedores de tempestade. Textos de alta voltagem poética e com enredos por vezes difusos. O que em muitos deles se destaca é o ambiente captado liricamente, como é o caso de Fazedores de tempestade, prosa poética admirável.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

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