As preciosidades alegóricas de Pedro Salgueiro

"Inimigos" (Editora 7Letras, 2007), coletânea de contos do cearense Pedro Salgueiro indicada agora em 2008 para o Jabuti, compõe-se de 20 textos curtos
Pedro Salgueiro, autor de “Inimigos”
01/11/2008

Inimigos (Editora 7Letras, 2007), coletânea de contos do cearense Pedro Salgueiro indicada agora em 2008 para o Jabuti, compõe-se de 20 textos curtos. Contos que se passam em vilarejos do Sertão, com estradas, poeira, serras, forasteiros, e reportando-se a épocas mais remotas. O espaço predominante é o do Sertão — mas as situações são universais. Contos de frases contidas, secas, como a paisagem de rochas não raro configurada, com momentos de grande maestria poética, de palavras ou torneios que nos surpreendem pela força e exatidão. Pedro é um poeta da prosa. A sua opção por produzir o livro com contos curtos, compactos, tem uma razão se ser — a de apresentar uma história com implicitudes, sugestões, subtextos, justamente para caracterizar a força de sua prosa poética. Assim, antes de tudo, em boa parte dos contos da coletânea, o que aparece é o desempenho da linguagem, o estilo bem posto. Em seguida é que o leitor vai percebendo que a história, os seus personagens e situações, também têm grande força, abrem-se muito em seu significado. O conto que dá título à coletânea é cheio de sugestões — todo um longo enredo está contido em pouco mais de duas páginas. Esta e várias narrativas do livro têm forte carga alegórica. O conto descreve um contexto de guerra, de uma invasão, por um pelotão, do território inimigo. A invasão tem caráter demolidor — devasta moralmente os inimigos, abate-os, subjuga-os (além de retê-los, roubá-los, os vencedores relacionam-se com suas mulheres). O pelotão vencedor, de tão confiante, de tanto apostar na fraqueza dos inimigos, termina relaxando, retraindo-se em seu ímpeto. E, ato imprevisto, os inimigos reagem. E reagem de que maneira? Não vou tirar o gosto de o leitor saber como. Só adianto que o pequeno conto é a viva metáfora de que, enquanto não finda o embate, a força do vencedor pode ser relativa, que o respeito ao adversário, compreendendo-o não como um fraco, mas como alguém momentaneamente sem recursos para resistir, é crucial. Por sua vez, o protagonista de Limites se sente enclausurado numa terra “ruim”, de gente “ordinária”. A vigilância permanente, por parte dos proprietários vizinhos, dos marcos territoriais, aborrece o personagem, o deixa infeliz. Vivendo na corda bamba (com receio dos ataques e/ou armadilhas dos vizinhos), o personagem entende que seu povo, na distância, é bem “diferente”. O conto aborda, assim, o problema da perda de identidade, do indivíduo desterritorializado. Descoberta também pode ser lido como uma alegoria do desterrado, do migrante cearense, nordestino. A estrada aparece como uma condição atávica, ancestral. A estrada “é o meu destino”, afirma o personagem-narrador em certo momento. Personagem nascido em Papaconha — que aparecerá no livro como lugar de povo peregrino, em permanente deslocamento. O reencontro com Papaconha, para o personagem, é questão crucial, de recomposição/reintegração da própria identidade. Mas A passagem do Dragão, narrando o episódio do eclipse solar de 1919 em Sobral (CE), que foi acompanhado por uma comissão composta por astrônomos de vários páises (os quais estariam interessados em comprovar a teoria da relatividade, de Einstein), é possivelmente o principal conto do livro. Um conto antológico —‘ fato e ficção na medida certa. Ciência e misticismo, razão e crença se misturam nessa pequena história que termina sendo uma grande metáfora do nosso atraso. Pedro Salgueiro não é mais uma promessa no conto brasileiro. Trata-se de um dos principais contistas hoje em atividade no País. Em Inimigos reinveste em motivos (como, por exemplo, o misticismo e as desavenças/violências por terras, domínios) caros à nossa tradição regionalista. Mas o faz com soluções novas, na forma de pequenas e contundentes alegorias.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho