Anotações sobre romances (1)

Dominic Molise é o protagonista do romance 1933 foi um ano ruim, de John Fante (1909-1983), autor cujo realismo agudo
John Fante, autor de “1933 foi um ano ruim”
01/09/2013

Dominic Molise é o protagonista do romance 1933 foi um ano ruim, de John Fante (1909-1983), autor cujo realismo agudo, crítico da sociedade americana, é dos que mais aprecio. Dominic tem dezessete anos e é filho de um pedreiro de origem italiana. Dominic se encontra num mundo que lhe tolhe os sonhos — o de ser um astro do baseball, o de ter nos braços a sua grande paixão, a rica Dorothy (a cena em que ela sobe na escada, na casa comercial do pai, e Dominic vê as intimidades da moça é de um erotismo acelerador: Vi o que eu jamais vira antes daquele ângulo. As suas nádegas, dois pães dourados, uma fenda de tirar o fôlego entre elas e um tufo de cabelos que parecia limalha de bronze), o de tirar a família da grande miséria. A pobreza lhe causa um tédio insuportável, incomoda-o e até impressiona-o a religiosidade extremada da mãe. Mas nenhuma porta se abre para o protagonista. Tudo nele é sonho e, em seguida, pelos obstáculos brutais de sua realidade, descaminho, desesperança. Cena das mais pungentes do livro é a do momento em que Dominic tenta vender — e, depois, desanda, recuando do projeto — a máquina de misturar massas do pai. A máquina é, no caso, o principal ícone do trabalho, da sobrevivência da família. O pai fica desorientado com a atitude do filho — que queria o dinheiro (e vê na velha e barulhenta máquina a única forma de obtê-lo) para ir em busca da fama e fortuna como jogador de baseball. O pai, ainda assim, consegue metade do dinheiro para Dominic. Mas nada dá certo, Dominic é vítima do preconceito de classe (do pai de Dorothy e de Kenny, este o melhor amigo do filho do pedreiro), e o romance fecha com uma angústia que não se resolve, com uma força de realidade que às vezes dói no leitor. Embora num formato tradicional de romance realista, com certa linearidade, 1933 foi um ano ruim publicado postumamente em 1985, por esforço de Charles Bukowski, grande admirador da obra de John Fante tem muita força. Talvez o romance brasileiro da atualidade precise, com outras engenharias formais, retomar essa força e agudeza que se extrai de Fante.

CONTINUA NA PRÓXIMA EDIÇÃO.

Rinaldo de Fernandes

É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

Rascunho