O dilema do artista quando jovem

O sucesso do escritor consiste em atingir o coração do leitor pela qualidade questionadora de sua obra ou pela qualidade estética
Ilustração: Eduardo Mussi
01/05/2022

Esta é a verdade absoluta: no começo o artista, sobretudo o escritor, enfrenta este dilema: qual o caminho a seguir? O que dependerá definitivamente do sucesso de sua obra. Sucesso? O que é isso? O barulho ensurdecedor das plateias aos beijos, abraços, autógrafos, selfies, entrevistas, amores, escândalos? Vendas, vendas, vendas? Ou o silêncio cada vez maior do público ou dos leitores que fingem nunca ter ouvido o seu nome? E dos críticos, que nunca citam seu nome? E da falta de prêmios…

Tudo isso inquieta o jovem artista. Como escrever, por exemplo, a primeira obra? Como chegar às livrarias? O sucesso do escritor não reclama barulho e assovios, beijos e autógrafos. Por tudo isso, costumo dizer que escritor não faz sucesso, tem reconhecimento. Se existe sucesso, o do escritor consiste em atingir o coração do leitor pela qualidade questionadora de sua obra ou pela qualidade estética. O que, em última análise, responderá à pergunta angustiante: forma ou conteúdo? A forma seria apenas a busca da beleza subjetiva, muitas vezes objetiva com resultado encantatório, magnífico, de olhos voltados para a satisfação interior, de fazer sonhar e se deslumbrar?

Mas, enfim, como é que se faz isso? E o conteúdo?

Há, ainda, os que não pensam numa coisa nem em noutra. Colocam-se na mera posição de borrões e enchem centenas de páginas com sinais gráficos e juntam letras, palavras, juntam daqui, juntam dali, suspeitam histórias, borram, borram, borram. São ditos escritores, chamados escritores, sabem que são borrões e investem cada mais para realizar aquilo que Afrânio Peixoto classificou “o sorriso da sociedade”, realizam o que Sartre condenou como literatura.

Como as escolas do passado não ensinavam literatura como um grito de dor, mas como este deletério sorriso, a literatura se transformou num ajuntado de palavras em vez de enfrentar o mundo, a busca de justiça social, a possibilidade de uma convivência pacífica entre nós. Denunciar as dores do mundo é, na verdade, a principal missão do artista, sobretudo do escritor, se há que existe mesmo uma missão. Principalmente esta missão social.

Este dilema continua e é eterno. Somente quando percebeu que a arte é revolucionária porque denuncia e enfrenta as dores do mundo é que o artista construiu a necessidade da obra. Mesmo assim as adversidades são grandes, surgindo de todos os lados com censuras e patrulhamentos, o que leva a novos questionamentos, dúvidas e dilemas. A luta verbal é, com certeza, uma necessidade imediata. Urgente e fundamental.

No começo de minha formação literária, encontrei uma geração inteira inquieta com estas dúvidas, o que nos levava a grandes debates e conversas sem fim. Sobretudo em mesa de bar. Na época, era comum os estudantes morarem em repúblicas — pensões dedicadas a hospedar jovens vindos do interior — e ali começavam as discussões. Éramos eu, Jaci Bezerra, Alberto Cunha Melo, Fernando Monteiro e Elói, um pouco mais velho, bem empregado com ótimo salário e que, por isso mesmo, terminou se transformando em editor do grupo, depois chamado de Geração 65, que congregou inúmeros escritores — poetas e prosadores, em princípio sob a orientação de César Leal, com alguma ajuda de Pessoa de Moraes, um sociólogo ligado à sociologia da literatura. Leal era um grande poeta experimentalista e diretor do Curso de Letras da Universidade Federal de Pernambuco, além de jornalista responsável pelo editoria de Cultura do Diário de Pernambuco. Foi aí que publicou e revelou os poemas do grupo, principalmente os sonetos de Jaci Bezerra.

Surge, então, o dilema, ou ressurge: Jaci (lírico) e Alberto (político/religioso). O primeiro formal e o segundo, conteudístico. A luta de sempre recomeçava. E não mais em torno de cervejas e conversas. Encontravam-se os caminhos — cada escritor construía o próprio caminho, decidiam-se e, mais do que isso, definiam-se. Era o longo caminho em torno da obra. A questão, agora, era escapar das modas e dos modismos. Henry Miller, de um lado; Santa Tereza, de outro.

Na definição regional: Hermilo Borba Filho e Ariano Suassuna, dois mestres, dois companheiros. Hermilo acompanhava Sartre e abria a metralhadora literária para todos os lados; Ariano voltou-se inteiramente para a cultura popular e para a literatura de cordel, seguindo a trilha familiar, destacando a influência do pai.

Agora o dilema começava a se desfazer porque a ditadura com a sua draconiana censura empurrava os jovens para a contestação do regime e para a luta pelos direitos humanos. Optei pela luta ao lado de Ariano e o movimento Armorial, escrevendo e publicando A história de Bernarda Soledade — narrativa de um grupo de camponeses contra os poderosos, numa espécie de guerrilha no campo. Sempre seguindo o folheto de cordel.

Definido o meu caminho, pude então construir a minha obra, que condensei na tetralogia Condenados à vida, publicada em 2017 pela Cepe, editora pernambucana de imensa qualidade, com exemplar prefácio de José Castello.

Raimundo Carrero

É escritor. Autor, entre outros, de Seria uma noite sombria Minha alma é irmã de Deus. 

Rascunho