Uso neste artigo o mesmo título do estudo realizado por Proust porque é sobre o assunto que dedicarei minha análise, considerando a importância dos autores que atingiram os melhores momentos da ficção universal, apesar da presença sempre definitiva dos grandes russos Dostoiévski e Tolstói. Constata-se, por exemplo, que Flaubert, apesar de sua genialidade, era duramente criticado pelos especialistas literários da época. Mesmo assim, em certo momento da história, Proust sentiu necessidade de defender seu colega ficcionista, lançando luzes sobre aquilo que a muitos parecia erro grosseiro, além do elogio ao medíocre. Parecia dizer que só um ficcionista entende o que o outro ficcionista quis dizer. Seria possível dizer, então, que só poeta entende o que outro poeta quis dizer? A criação tem razões que só a criação entende.
Vem daí o conceito de metáfora em Flaubert. Em princípio, uma questão extremamente polêmica, mas convincente no desenvolvimento. Por razões que seriam muito extensas para desenvolver aqui, creio que só a metáfora é capaz de conferir certo tipo de eternidade ao estilo; e talvez não exista em toda a obra de Flaubert sequer uma única bela metáfora. Suas imagens são geralmente tão fracas que chegam a se elevar muito pouco acima do que seus personagens mais insignificantes poderiam encontrar.
Neste momento cria-se a categoria de personagens na ficção: a metáfora do personagem e a metáfora do autor.
Sem dúvida, quando, numa cena sublime de A educação sentimental, a sra. Arnoux e Frédéric trocam frases, tais como: “Algumas vezes suas palavras chegam-me como um eco longínquo, como o som de um sino trazido pelo vento. Eu sempre tinha no fundo de mim mesmo a música de sua voz e o esplendor do seus olhos”, sem dúvida é um pouco bom demais para uma conversa entre Frédéric e a sra. Arnoux. Porém, se, em vez dos seus personagens, fosse Flaubert quem tivesse falado, não teria achado algo muito melhor para dizer. Para exprimir — na perfeição de suas obras, o silêncio que reinava no castelo de Julien, de um modo que ele acha notadamente deslumbrante —, diz que “ouvia-se o roçar de um echarpe ou o eco de um suspiro”, e, ao final, quando aquele que carrega São Julião torna-se Cristo, esse minuto inefável é descrito:
Seus olhos adquiriram um brilho de estrelas, seus cabelos alongaram-se como raios de sol, a expiração de suas narinas tinha a suavidade das rosas.
Ótima solução literária, mas de mau gosto, sem dúvida. É preciso sempre cuidar disso, com uma advertência grave, talvez por descuido de Proust, o genial Proust, o uso da preposição elimina a metáfora e estabelece uma símile, isto é, parece, mas não é metáfora. Quando há comparação, a metáfora desaparece imediatamente, acrescida do grave mau gosto romântico das imagens.
Destaque-se o que Proust escreve em seguida, justamente para defender o autor de A educação sentimental:
Nada de ruim há nesse trecho, nenhuma coisa disparatada, chocante ou ridícula como em alguma descrição de Balzac ou Renan; apenas parece que, mesmo sem o auxílio de Flaubert, um simples Frédéric Moreau quase terá podido dizer isso.
Mas, enfim, a metáfora não é todo o estilo.
Para justificar aquilo que era ou é ruim, mesmo na obra do grande francês, recorrer ao elogio do medíocre, classificado de monótono, morno e indefinido? Vamos ao exemplo:
E não é possível, a quem quer que um dia tenha subido sobre esta grande “esteira rolante” que são as páginas de Flaubert em deslocamento contínuo, monótono, morno, indefinido, desconhecer que elas não têm precedente na literatura.
Em seguida, critica mais do que elogia o uso da gramática. Um bom aluno, encarregado de reler as provas de Flaubert, teria sido capaz de corrigir nas provas muitos erros. A questão gramatical na ficção é extremamente polêmica, com autores defendendo o erro em favor da riqueza do personagem, por exemplo, sobretudo o personagem/narrador. Proust destaca:
Em todo caso, há uma beleza gramatical, assim como há uma beleza moral, dramática. Que nada tem a ver com a correção. É uma beleza desse gênero que Flaubert devia engendrar laboriosamente. Sem dúvida essa beleza poderia às vezes ser consequência da maneira de aplicar certas regras de sintaxe.