šŸ”“ O computador emburrece!

Pela primeira vez constata-se que uma geração apresenta QI diminuído em relação à anterior e a causa é a exposição excessiva à televisão e videogames
Ilustração: FP Rodrigues
03/12/2020

(04/12/20)

Sempre achei que o uso do computador emburrece as pessoas, mas todo mundo que conheƧo me crucificava, dizendo ser essa opiniĆ£o somente fruto do preconceito de alguĆ©m encerrado em suas convicƧƵes ultrapassadas. Mas agora, caro (a) leitor/leitor(a), reafirmarei minha posição baseado em estudo cientĆ­fico — tudo bem que a ciĆŖncia passou a ser, neste estranhĆ­ssimo mundo em que habitamos, uma mera questĆ£o de crenƧa, mas, talvez aferrado em minhas convicƧƵes ultrapassadas, divido com vocĆŖs algumas conclusƵes, nĆ£o minhas, um ermitĆ£o que hĆ” nove meses se recusa a sair de casa e que nĆ£o interage com o mundo nem pelas redes sociais, mas do neurocientista francĆŖs Michel Desmurget, autor do livro A fĆ”brica de idiotas digitais, recĆ©m-lanƧado na FranƧa (La fabrique du crĆ©tin digital, pela editora Points, ainda sem tradução).

Em excelente entrevista a Irene HernĆ”ndez Velasco, da BBC News Mundo, Desmurget afirma que, historicamente, pesquisadores vinham observando um aumento gradativo do QI de geração para geração — um negócio chamado Efeito Flynn —, mas que recentemente essa tendĆŖncia comeƧou a se reverter, ou seja, Ć© a primeira vez que se constata que uma geração apresenta o QI diminuĆ­do em relação Ć  geração anterior. Segundo Desmurget, estudos mostram uma relação direta entre maior exposição Ć  televisĆ£o e ao videogame e redução do QI e do desenvolvimento cognitivo. As causas, ele explica, podem ser claramente identificadas: diminuição da qualidade e quantidade das interaƧƵes intrafamiliares, essenciais para o desenvolvimento da linguagem e do emocional; diminuição do tempo dedicado a outras atividades mais enriquecedoras (lição de casa, mĆŗsica, leitura, etc.); perturbação do sono, que Ć© quantitativamente reduzido e qualitativamente degradado; superestimulação da atenção, levando a distĆŗrbios de concentração, aprendizagem e impulsividade; subestimulação intelectual, que impede o cĆ©rebro de desenvolver todo o seu potencial; e sedentarismo que, alĆ©m do desenvolvimento corporal, influencia a maturação cerebral.

O resultado disso: um aumento das desigualdades sociais e uma divisĆ£o progressiva da nossa sociedade entre uma minoria preservada desta ā€œorgia digitalā€, que possuirĆ”, por meio da cultura e da linguagem, as ferramentas necessĆ”rias para pensar e refletir sobre o mundo, e uma maioria com ferramentas cognitivas e culturais limitadas, incapaz de compreender o mundo, que aprenderĆ” apenas as habilidades bĆ”sicas para ocupar empregos tĆ©cnicos de mĆ©dio ou baixo nĆ­vel. Enfim, estamos assinalando para um mundo em que, atravĆ©s do acesso constante e debilitante ao entretenimento, essa maioria aprenderĆ” a amar a servidĆ£o.

Agora, leitor/leitora, imagine esse cenĆ”rio catastrófico aplicado ao nosso querido Brasil, onde as condiƧƵes socioeconĆ“micas sĆ£o determinadas ainda no berƧo — atenção, arautos da meritocracia, nĆ£o hĆ” meritocracia onde vigora o abismo social. Por conta de interesses escusos, a nossa sociedade saiu das trevas do mais profundo analfabetismo diretamente para a cultura audiovisual, sem passar pelo letramento. Em 1970, ou seja, hĆ” exatos 50 anos, 34% da população com mais de 15 anos nĆ£o sabia ler, mas quase um terƧo dos brasileiros jĆ” tinha acesso Ć  televisĆ£o, um projeto da ditadura militar visando a unificação do paĆ­s por meio da ā€œmĆ”quina de fazer doidoā€, apelido carinhoso dado Ć  Ć©poca, de maneira visionĆ”ria, pelo cronista Stanislaw Ponte-Preta.

Uma pesquisa do IBGE mostra que em 2016, 97,2% dos lares brasileiros possuĆ­am aparelho de televisĆ£o, 45% contavam com computador, 92,6% da população tinha celular — em contrapartida, apenas 4,5% das escolas pĆŗblicas brasileiras contavam com infraestrutura prevista no Plano Nacional de Educação, que se traduz em acesso a energia elĆ©trica; abastecimento de Ć”gua tratada; esgotamento sanitĆ”rio e manejo dos resĆ­duos sólidos; espaƧos para a prĆ”tica esportiva e para acesso a bens culturais e artĆ­sticos; e equipamentos e laboratórios de ciĆŖncias. Faltam bibliotecas em 55% das escolas brasileiras e os salĆ”rios dos professores do ensino pĆŗblico estĆ£o entre os piores do mundo, segundo levantamento do Inep.

Ou seja, caríssimos leitores/as: o Brasil é campo fértil para a disseminação dos idiotas digitais e não é à toa que eles estão aí, cada vez ocupando mais espaço na sociedade.

Luz na escuridão
Iacyr Anderson Freitas, escritor: ā€œEstou revisando meu livro de estudo da obra do poeta Ruy Espinheira Filho, intitulado ā€˜As perdas luminosas’, para uma nova publicação em eBook, jĆ” que a anterior, publicada em coedição pela editora da UFBA e Fundação Casa de Jorge Amado, se encontra esgotada. TambĆ©m estou preparando os originais de um novo livro de poesia, para possĆ­vel lanƧamento no próximo anoā€.

Parachoque de caminhão
ā€œAs pessoas nĆ£o se importam com a felicidade, mas buscam o prazer. Buscam o prazer mesmo contra os próprios interesses, contra as próprias crenƧas e opiniƵes, contra a própria felicidade.ā€
Hjalmar Sƶderberg (1869-1941)

Antologia pessoal da poesia brasileira
Joaquim Cardoso
(Recife, PE, 1897 – Olinda, PE, 1978)

Cajueiros de setembro

Cajueiros de setembro,
Cobertos de folhas cor-de-vinho,
Anunciadores simples dos estios
Que as dúvidas e as mÔgoas aliviam
ƀqueles que como eu vivem sozinhos.

As praias e as nuvens e as velas de barcaƧas
Que vão seguindo além rumos marinhos
Fazem com que por tudo se vislumbrem
Luminosos domingos em setembro,
Cajueiros de folhas cor-de-vinho.

PressƔgio, amor de noites perfumadas
Cheias de lua, de promessas e carinhos,
Vivas canƧƵes serenas e distantes,
Cajueiros de sombras inocentes
DebruƧados Ơ beira dos caminhos.

(Poemas, 1947)

Luiz Ruffato

Publicou diversos livros, entre eles Inferno provisório, De mim jÔ nem se lembra, Flores artificiais, Estive em Lisboa e lembrei de você, Eles eram muitos cavalos, A cidade dorme e O verão tardio, todos lançados pela Companhia das Letras. Suas obras ganharam os prêmios APCA, Jabuti, Machado de Assis e Casa de las Américas, e foram publicadas em quinze países. Em 2016, foi agraciado com o prêmio Hermann Hesse, na Alemanha. O antigo futuro é o seu mais recente romance. Atualmente, vive em Cataguases (MG).

Rascunho