Palavra, obra de arte

Ana Miranda: “Não conheço nenhum escritor que tenha tido condições perfeitas para escrever, a vida nos chama e exige.”
Ana Miranda, autora de “Boca do inferno”
01/06/2013

Conhecida por aliar ficção e história, a escritora Ana Miranda usa em seus romances episódios do passado para narrar temas universais. Nascida em Fortaleza, em 1951, já morou em Brasília, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Hoje reside em sua cidade natal. Seu primeiro romance, Boca do inferno (1989), rendeu-lhe o Prêmio Jabuti na categoria Autor Revelação. Desde então vieram O retrato do rei (1991), Desmundo (1996), Amrik (1997) e Dias & Dias (2002), vencedor do Jabuti na categoria Romance e do Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional. Também a memória literária é recorrente na obra de Ana, que resgatou em seus livros dois importantes poetas da nossa literatura: Gregório de Matos e Gonçalves Dias. A escritora ainda se dedica à poesia, novela, roteiros de cinema e edição, tendo preparado para publicação obras de Vinicius de Moraes e Otto Lara Resende. Neste Inquérito, Ana Miranda repudia as livrarias de aeroporto e revela que jamais quis ser escritora, mas que esse papel lhe veio naturalmente.

Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Jamais quis ser escritora, aconteceu naturalmente. Eu escrevia, e escrevia, e escrevia… Por necessidade interior. Escrevi o primeiro romance sem saber se ia ser publicado.

Quais são suas manias e obsessões literárias?
Ler. Se eu não leio um dia, sinto um vazio. No trabalho, tenho obsessão pelo aperfeiçoamento do texto que escrevi, releio e releio e releio… Nunca está pronto, são infinitas as possibilidades de se melhorar um texto.

Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
Tenho dois tipos de leitura, a de trabalho e a de lazer. As duas são imprescindíveis.

Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
O púcaro búlgaro, de Campos de Carvalho. Ela descende de búlgaros, não é? Acho que iria apreciar.

Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Solidão, silêncio, portas fechadas, saudades e inquietações. E nada mais a fazer que não o livro. Poder encontrar o espírito. Um escritório cheio de livros, janelas para paisagens. Mas, se existem essas circunstâncias ideais, jamais as experimentei. Não conheço nenhum escritor que tenha tido condições perfeitas para escrever, a vida nos chama e exige. Todos lutaram para escrever seus livros, em quaisquer circunstâncias.

Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Uma rede na varanda, ter nas mãos o livro adequado para o momento.

O que considera um dia de trabalho produtivo?
Quando consigo botar em dia todas as minhas tarefas, falar com alguma pessoa querida, fazer uma comida deliciosa, ouvir uma música tocante, ter contato com água, mover o corpo, as coisas arrumadas, e ainda produzir ao menos uma página. Ou um parágrafo. Ou uma frase. Depende.

O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Brincar com as palavras. Encontrar palavras perdidas. Terminar a primeira versão do livro.

Qual o maior inimigo de um escritor?
Não sei. Talvez o mercado editorial. Talvez as tendências. O maior amigo é a lata de lixo, dizia o Bashevis Singer.

O que mais lhe incomoda no meio literário?
Quando querem que eu participe de coisas das quais eu não quero participar.

Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Pedro Salgueiro.

Um livro imprescindível e um descartável.
A minha biblioteca, que tem uns três mil livros, quase todos imprescindíveis. Descartável, pode escolher na vitrine de uma livraria de aeroporto, muitos estão lá.

Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Desonestidade.

Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Todos os que não vêm de encontro a minhas necessidades interiores do momento.

Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Uma canção indígena.

Quando a inspiração não vem…
… o suor não vale a pena.

Qual escritor – vivo ou morto – gostaria de convidar para um café?
Shakespeare.

O que é um bom leitor?
Aquele que é, ao mesmo tempo, ingênuo e crítico.

O que te dá medo?
O medo.

O que te faz feliz?
Saber que as pessoas a quem amo estão bem.

Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
Sempre uma certeza seguida de uma dúvida seguida de uma certeza seguida de uma dúvida…

Qual a sua maior preocupação ao escrever?
A comunhão.

A literatura tem alguma obrigação?
Transformar a palavra em obra de arte.

Qual o limite da ficção?
Sem limites.

Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Ao meu filho. É fortão, inteligente e tem sangue-frio.

O que você espera da eternidade?
Que me leve. Que me seja leve.

Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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