O mundo é um fogão

Marcia Tiburi "Assunto, não tenho problemas com eles. Mas detesto diálogos com travessões. Isso eu nunca faria."
Marcia Tiburi, autora de “Sociedade fissurada”
13/08/2016

 

Marcia Tiburi é uma pessoa inquieta. Atua em várias frentes, passando pela filosofia, artes plásticas, televisão, literatura. Nascida em Vacaria (RS), em 1970, graduou-se em filosofia e chegou ao doutorado. Publicou diversos livros na área, como As mulheres e a filosofia (2002), Filosofia cinza — a melancolia e o corpo nas dobras da escrita (2004); Filosofia em comum (2008), Filosofia brincante (2010) e Sociedade fissurada (2013). Na ficção, é autora dos romances Magnólia (2005), A mulher de costas (2006), O manto (2009) e Era meu esse rosto (2012), além de literatura infantojuvenil. Durante algum tempo, integrou o programa Saia justa (exibido no GNT). É colunista da revista Cult.

• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Depois que eu já escrevia. Um belo dia, resolvi fazer um livro. Demorei 13 anos escrevendo. No meio desse, fiz outros, vários. O primeiro livro que comecei a escrever, só publiquei em 2012!

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Escrevo de manhã e preciso ficar sozinha. Se alguém fala comigo, não consigo mais escrever. Ao longo da vida já tive e deixei manias. Sempre as respeito muito quando surgem, elas me dominam.

Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Eu preciso ler filosofia. Mesmo quando estou escrevendo literatura, eu sempre preciso de uma ideia para segurar meu dia, como uma droga mesmo, ou um remédio.

Se pudesse recomendar um livro ao presidente Michel Temer, qual seria?
Nossa, que situação mais triste. Não queria estar na pele de quem tem que recomendar algo a esse usurpador. Contudo, no inferno, eu recomendaria que ele lesse Doutor Fausto, de Tomas Mann. Seria uma ato de generosidade com a abjeção, mas tudo bem, seria o fim do mundo mesmo.

Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
De férias, quando ninguém lembra que você existe.

Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
O dia inteiro livre pra isso.

O que considera um dia de trabalho produtivo?
Se acordei antes das 6 horas e consegui escrever até as 10 horas, mesmo que tenha escrito uma frase. Muito raro.

O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Ver a história se desenvolvendo sozinha quando é literatura. Ter uma ideia nova quando é um ensaio.

Qual o maior inimigo de um escritor?
O editor. Como dizia Hilda Hilst, o editor é sempre um pulha.

O que mais lhe incomoda no meio literário?
Panelas, mas isso tem também no acadêmico, no político, no feminismo. O mundo é um fogão.

Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Há muitos. Atualmente, eu me interesso pelos indígenas. Creio que temos que lê-los cada vez mais.

Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível: O segundo sexo, de Simone de Beauvoir. Descartável: eu teria uma lista imensa, mas ofenderia alguém, então, me calo…

Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
A pressa. A gente sente a pressa correndo solta dentro do livro. Ela é péssima.

Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Assunto, não tenho problemas com eles. Mas detesto diálogos com travessões. Isso eu nunca faria.

Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Horas parada olhando para o teto em geral resolvem.

Quando a inspiração não vem…
Eu durmo.

Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Thomas Bernhard. Eu tenho aquele complexo, eu acho.

O que é um bom leitor?
Um bem malvado com o texto.

O que te dá medo?
A impaciência para a leitura.

O que te faz feliz?
Livros muito bons.

Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Que a literatura seja mais que um jogo de linguagem.

Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Ser sincera e, ao mesmo tempo, mentir bem.

A literatura tem alguma obrigação?
Tem. De não piorar esse mundo.

Qual o limite da ficção?
A realidade. Ela dói e a literatura faz saber disso.

Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
A uma onça, o ser que todo índio respeita e teme.

O que você espera da eternidade?
Acho uma das piores ideias da mente doentia dos seres humanos. Eu realmente espero que não haja nada depois da morte. Se tiver, eu passo.

Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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