Ir sempre além

Állex Leilla: "Militância é um desastre. Também é broxante quando se ensaia uma abordagem de temas complexos e não se leva adiante."
Állex Leilla, autora de “Não se vai sozinho ao paraíso”
27/01/2017

Állex Leilla é baiana de Bom Jesus da Lapa, onde nasceu em 1971. Estreou na literatura com os contos de Urbanos (1997). Seguiram-se Obscuros (contos), Henrique (romance), O sol que a chuva apagou (novela), Primavera nos ossos (romance). Participou de antologias no Brasil, Argentina e Alemanha. Graduada em Letras, é doutora em literatura e professora da Universidade Estadual de Feira de Santana. Seu livro mais recente é o romance Não se vai sozinho ao paraíso. Vive em Salvador (BA).

  Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Desde menina, me lembro de “consertar” as histórias alheias, reescrevendo-as a partir de cenas com as quais não concordava. Me lembro de ter “consertado” passagens de A pequena sereia, A pastorazinha e o limpador de chaminés, Branca de neve, O gato de botas, etc. A consciência dessa vocação, no entanto, creio que só tive aos 20 anos, quando escrevi meu primeiro livro de contos.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Tenho obsessão por mudar as coisas prontas, finalizadas, quero reescrever meus livros já publicados — o dos outros também. Mania: coleciono epígrafes e citações.

Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Livros de poesia.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Michel Temer, qual seria?
O imbecil coletivo, de Olavo de Carvalho.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Manhãs, cafés, cigarros e trilhas sonoras (gravo uma trilha exclusivamente para cada livro que começo). Quando termino um livro, comemoro com duas doses de algum uísque 12 anos, mas depois fico triste, e se não começar outro, me deprimo.

 Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Gosto de ler imersa na brisa, à tarde ou à noite, em minha varanda ou no sofá. Mas venho desenvolvendo o dom de ler em qualquer lugar e situação, pois, infelizmente, vivemos num mundo ruidoso.

 O que considera um dia de trabalho produtivo?
Em termos de quantidade, cinco laudas é um bom termômetro pra mim. Em termos de qualidade, quando percebo a solução para algum “nó” na narrativa.

  O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Quando me pego rindo ou surpresa com algo que eu mesma escrevi.

• Qual o maior inimigo de um escritor?
Nosso melhor amigo e nosso pior inimigo é o mundo, pois a escrita se faz dessa tensão de estar e não estar ao mesmo tempo. Nos ausentamos da pauta para nos presentificarmos na página.

 O que mais lhe incomoda no meio literário?
Atualmente, noto que a hegemonia é uma das piores desgraças do meio literário, todo mundo pensa a mesma coisa sobre política, cultura, história, sexualidade, religião… Parece um bando de replicantes, pessoas que receberam um chip para atuar como “artistas de esquerda”. Quando mais jovem, me incomodava muito a impossibilidade de poder ter relações sinceras, pois, no geral, o meio literário é um teatrinho de vaidades. Mas agora isso desimporta, porque aprendi a me concentrar nas pessoas certas.

 Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Ângelo Monteiro, poeta alagoano que vive no Recife, autor de O ignorado e Tratado da lavação da burra.

 Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível: A montanha mágica, de Thomas Mann. Os descartáveis eu geralmente leio e esqueço.

 Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Militância é um desastre. Também é broxante quando se ensaia uma abordagem de temas complexos e não se leva adiante.

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Qualquer assunto pode entrar, a questão é que tratamento se vai dar (não só na forma, como na abordagem). Existem assuntos que não me interessam hoje, mas não posso bater o martelo, porque o mundo gira, a Lusitânia roda, e a gente muda com eles.

Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Um bêbado sentado no meio fio, numa das avenidas mais populares de Salvador, murmurando que queria ter pra si as mãos, somente as mãos, do vizinho. É pedir demais?, nos perguntava, grogue. Ninguém comentava nada no ponto de ônibus. Escrevi um pequeno conto com essa cena.

 Quando a inspiração não vem…
Revisa-se o que já está escrito.

 Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Luís Vaz de Camões.

• O que é um bom leitor?
Aquele que tem consciência de que é um coautor.

O que te dá medo?
Diz o provérbio árabe que a ignorância é vizinha da maldade. Pois bem, os ignorantes têm amedrontado bastante o mundo — não apenas a mim.

O que te faz feliz?
Em termos práticos, o cotidiano ao lado de João Filho me faz profundamente feliz. De modo mais amplo, a clareza com que vejo as coisas hoje tem me dado uma rara alegria — é como se uma névoa estivesse saindo cada vez mais de meus olhos.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Dúvida: eu realmente sou uma escritora?

Certeza: eu realmente sou uma escritora.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Ir além, mais além, um pouquinho mais além do que eu pensava que poderia ir.

• A literatura tem alguma obrigação?
A de pensar o mundo em que vivemos, o mundo no qual queremos viver e o que já passou. Com liberdade, por favor.

Qual o limite da ficção?
Acho que o limite se faz numa eterna tensão com a vida, pois enquanto a vida pode ser absurda, a ficção precisa lapidar esse absurdo de modo a torná-lo verossímil.

Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Ao Morrissey, né?

• O que você espera da eternidade?
Compaixão. Pode ser em forma de um infinito abraço.

 

 

Não se vai sozinho ao paraíso
Állex Leilla
Mondrongo
583 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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