À espera de algo fabuloso

W. J. Solha: "Tornar-me sempre melhor. Como autor e ser humano."
W. J. Solha, autor de “A canga”
06/07/2015

W. J. Solha nasceu em Sorocaba (SP), em 1941. Mas vive em João Pessoa (PB) desde a juventude. É escritor, poeta, ator e artista plástico. No cinema, atuou em O som ao redor, do diretor Kleber Mendonça Filho. É autor dos romances A canga, A verdadeira história de Jesus, A batalha de Oliveiros e História universal da angústia, entre outros.

Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Foi ao ver a impressão causada em todos os que leram o relato de um sonho que eu tivera, nos anos 60. Isso se confirmou quando escrevi minha primeira peça, na qual trabalhei como ator — tudo lá em Pombal, no alto sertão paraibano, onde eu era funcionário da agência do BB. Fiquei arrebatado ao viver aquilo que eu imaginara e, mais ainda, ao ver o público compartilhando da mesma emoção. Mas como sempre tive outras atividades, só me dei conta, mesmo, de que queria ser escritor, depois de deixar o teatro em 1990, a pintura em 2004, o cinema em 2010, depois da overdose que foi participar do elenco de O som ao redor e de Era uma vez eu, Verônica — de Kleber Mendonça Filho e Marcelo Gomes, respectivamente —, no Recife e de dois curtas aqui na Paraíba, quando me decidi: “Chega” — e passei a me dedicar exclusivamente a meus livros.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Trabalho intenso e rigor. E temas que se repetiram em tudo que fiz ao longo da vida. Cristo foi um deles. Escrevi o romance A verdadeira estória de jesus (Ática, 1979) e sua adaptação para o teatro (montei-a em 1988); fiz o conto A angústia de Lucas (em História universal da angústia, Bertrand Brasil, 2005), o romance Relato de Prócula (A Girafa 2009), além de pintar vários quadros a respeito. O outro tema foi Édipo, cujo romanceamento está na mesma História universal da angústia e, adaptado para o teatro. O terceiro foi Hamlet, também romanceado (História universal da angústia) e transformado em monólogo ilustrado, conforme se pode ver no site Shakespeare Brasileiro. No auditório da reitoria da UFPB está meu painel Homenagem a Shakespeare, pintado em 1997. Essa paixão gerou mais dois romances: Shake-up (Editora da UFPB, 1997) e Zé Américo foi princeso no trono da monarquia (Codecri, 1984), em que demonstro como o romance A bagaceira, que libertou a literatura brasileira da influência inglesa, em 1928, é — ironicamente — uma adaptação do Hamlet, papel que José Américo de Almeida viveu em 1930, literalmente num palácio, o da Redenção.

Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
A de alguma coisa nova que eu mesmo escreva. Não consigo ficar um dia sem produzir nada. Agora mesmo estou trabalhando num poema em que digo que só se escreve quando se sente falta, no que os outros escrevem, de algo que lhe faz falta.

• Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
O pequeno príncipe. Por aquela frase: A gente é responsável pelo que cativa. Ela não tem esse compromisso comigo, muito pelo contrário, mas com a metade do país que votou nela.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Não consigo escrever fora de meu canto. Dentro dele, pode chover canivete. Houve época em que eu datilografava meus romances com meu filho e sua banda de rock estrondando em casa, enquanto um vizinho se esgoelava com o tenor que ouvia, e outro botava o Nelson Gonçalves nas alturas. Já produzi na fartura e — quase — na miséria (que passei com a falência da empresa cinematográfica de que participei para produzir o primeiro longa-metragem paraibano, O salário da morte, de Linduarte Noronha, no qual fiz o papel de um pistoleiro).

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Vale a resposta acima. O poder de concentração é algo incrível. Pior do que ler e escrever é você representar, num filme, fazendo de conta que todos aqueles quarenta técnicos e equipamentos ao redor não existem. Se você viu Era uma vez eu, Verônica, deve se lembrar de quantas cenas tive com Hermila Guedes em “nosso” apartamento pequeno. Ninguém imagina que dos dois lados, atrás e em cima tinha gente registrando nossos tranquilos diálogos até pendurada do teto. Cada vez que se ia iniciar uma daquelas 30 sequências, o trânsito da Avenida Conselheiro Aguiar era paralisado, coisa que nós dois tínhamos de esquecer, ou não suportaríamos a responsabilidade.

O que considera um dia de trabalho produtivo?
Gênio é a capacidade de resolver problemas estéticos criados ou não pelo próprio artista. É claro que não sou gênio, mas um dia produtivo, pra mim, é aquele em que fiz algo parecido ou me sinto em vias de.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Eu diria que a literatura é a maior das artes, porque ela conta com a imaginação do leitor para uma proeza sem par, que é a criação da beleza. Imagine que você escreva “Aí entrou na sala uma linda mulher”. O cineasta e o dramaturgo têm de escolher uma atriz que nem sempre vai ser para o espectador essa lindeza toda. Mas com essa frase simples, o escritor faz surgir na mente do leitor exatamente o que ele — o leitor — vê como uma linda mulher.

Qual o maior inimigo de um escritor?
A pressa. A literatura exige calma. Certa vez li os originais do romance de um amigo e, lhe dar minha opinião a respeito, disse-lhe “Você não escreve melhor nem pior do que eu, mas eu passaria mais dois anos trabalhando no livro, se fosse meu”.

O que mais lhe incomoda no meio literário?
Tudo. Por isso vivo isolado. Não faço sequer lançamentos… e nem vou aos dos outros. Não que eu não goste de uma ou de outra pessoas, mas os bons livros sempre são melhores do que seus autores. Beethoven passou dez anos fazendo a Quinta Sinfonia. Logo, quando você ouve a sinfonia, está recebendo, em 30 minutos, todo um esforço de alguém durante esse tempo todo. Prefiro estar com ela, portanto, nessa meia hora, do que com ele.

Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Romancista: Tarcísio Pereira, daqui de João Pessoa. Ganhou o Prêmio de Incentivo à Literatura da Funarte com o romance O autor da novela, mas teve de publicar o livro de seu próprio bolso. Poeta: Alexandre Guarnieri. Seus dois livros são geniais.

Um livro imprescindível e um descartável.
Guerra e paz. Ressurreição. Do mesmo autor [Tolstói].

Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
O texto, em si, quando não chega a se realizar. É como a fotografia de um filme. Pense em Buñuel sem Figueroa, Orson Welles sem Gregg Toland, Godfrey Reggio sem Ron Fricke. Oitenta por cento da beleza de Cem anos de solidão e de Grande sertão: veredas estão no tratamento soberbo do texto.

Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Nenhum autor tem condições de dizer isso.

Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Acho que foi The great gig in the sky, do Pink Floyd. Em minha peça de ficção científica A batalha de OL contra o Gigante Ferr, eu precisava fazer com que o herói, agonizante, fizesse uma mulher ter um orgasmo impressionante, evidentemente com o menor esforço possível. O solo de Bianca Antoinette foi avassalador.

Quando a inspiração não vem…
Ela vem. Às vezes até durante o sono. Todo criador vive dando a volta ao dia em oitenta mundos. Quando um falha, há setenta e nove outros.

• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Shakespeare. Há tanto para se saber sobre ele…

O que é um bom leitor?
Aquele que tem preparo, imaginação fértil e a mente aberta.

O que te dá medo?
O silêncio ao que você cria. É muito pior do que a crítica negativa. Meu livro A canga recebeu apenas uma resenha, a de Nilto Maciel quando ainda em Brasília. A batalha de Oliveiros, apesar de também receber prêmio nacional, nenhuma, mesmo com a bela orelha feita por Ênio Silveira.

O que te faz feliz?
Vejo tanto autor dizendo que o que importa é escrever, crítica, repercussão, não. Isso é bobagem. Quem escreve, escreve para alguém, a menos que seja o rol da feira. Claro que ver gente feliz com o que você escreve é fundamental.

Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
A certeza de que minha vida não foi em vão.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Tornar-me sempre melhor. Como autor e ser humano.

A literatura tem alguma obrigação?
Tem: a de ser ótima literatura.

Qual o limite da ficção?
Nenhum, já que todos os deuses resultam dela. Veja o Gênesis. O Apocalipse. O Alcorão. A Mahabarata. A Ilíada.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
A ninguém. Diria “Diga o que você quer e vamos ver como a gente resolve isso”.

• O que você espera da eternidade?
Alguma coisa de muito fabuloso, pelo que posso ver pelo trailer. No mínimo, uma assimilação, por parte de nosso Consciente (na verdade inconsciente) , de tudo que pode conter o Inconsciente (na verdade o Consciente). Mais ou menos o que Teilhard de Chardin esperava, sem o simbolismo de sua fé.

Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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