Três poemas de Alberto Lins Caldas

Leia os três poemas "sem titulo"
Alberto Lins Caldas, autor de “Minos”
01/06/2013

Mais do que nunca necessária, a poesia (sempre a má consciência da literatura, ainda bem!) não vai mal neste momento agônico — pois versos naturalmente estão fora das vistas do Moloch chamado Mercado. É claro que esse monstro triunfante se dá ao luxo de ignorar poetas, e, entre eles, chamo atenção para Alberto Lins Caldas, autor dos contos de Babel(Revan, 2001), do romance Senhor Krauze(Revan, 2009) e do livro de poesia Minos(Ibis Libris, 2011). Aqui, três poemas novos do notável ALC:

?morder a carne o muro a terra
?essas ondas como se fosse macarrão
?depois morder todas as ruínas

?morder as roupas os sapatos
?morder a loucura e os fantasmas
?morder o silêncio e o silenciador

?morder depois a ferida e a dor
?morder o mundo e depois meu bem
?morder seu vizinho e seu matapiolhos

?morder a idade da lua e depois o sol
?morder toda essa luz e depois a treva
?morder essa miséria sem fim e a moeda

?morder isso q nos violenta e ri e goza
?morder essa insônia e o sem sonhos
?morder esse desejo de só desejar desejo

?morder os dedos os braços e o peito
?morder até mesmo os umbigos
?morder as nucas mesmo assassinadas

?morder pra q se tudo morde sem fim
?morder até ferir e destroçar pra q
?morder como se fosse parar de morder

***

ervilhas
é preciso comer ervilhas
assim cozidas no molho
de tomates com cebolas

ou comer ervilhas
uma a uma bem verdes
assim amargas e cruas
como se não houvesse fogo

ervilhas
com vinho branco suave
assim contra língua e céu
massas vermelhas e queijo

ou comer ervilhas
com pão quase dormido
assim como quem deseja
carne assada ou quase crua

ervilhas
como hoje são só feijões
assim como quem anda
até perder os sentidos

ou comer ervilhas
com a fome das ruas pobres
assim como quem se deixa
morrer indo pro mar

ervilhas
sem rebuscados artifícios
assim sem isso arcaico
?q esperam os poetas

ou comer ervilhas
sem medo sem covardia
assim com vertigem
como quem perdeu ilusões

ervilhas
todas nuas e imprudentes
assim despudoradamente
gostosas e vibrantes

ou comer ervilhas
deixando graves e indigestos
assim todo o resto q se come
ateando a língua para fora

ervilhas
sem guizos e sem confete
assim como quem come
sem se abismar com a comida

ou comer ervilhas
no meio de vaias e assobios
assim como quem consegue
comer em paz algumas ervilhas

***

tou farto dessa cidade
dessas noites infestadas pelos porcos
cercando meus mexilhões recheados

maresia podre sempre podre
correndo por essas ruas
e todos nós como cães sarnentos

mexilhões recheados
assim com tomates e cebolas fritas
com castanhas e pimenta verde

cai bem com bebidas violentas
mas pra fazer torna a casa esse lixo
e emporcalha o desejo a vida a mulher

vendo mexilhões recheados
sempre como quem vende o corpo
no cabaré vermelho da cidade baixa

tou farto dessa vida
vida de vendedor de mexilhões
mas como todos não posso escapar

fico me debatendo nas ruas
como peixe arrancado do mar
sangrando sempre sem ar e sem saber

agora é hora de sair e voltar amanhã
o mexilhão recheado tá pronto
e daqui a pouco será tarde demais

Fernando Monteiro

É escritor, poeta e cineasta. Autor de Aspades, ETs, etc., entre outros.

Rascunho