Três poemas sobre escrever no computador

Leia três poemas "sem titulo" de Luciano Trigo
Ilustração: Marco Jacobsen
01/05/2013

1.
A tela do computador
é melhor que a folha de papel.

A folha de papel fica suja,
cheia de resíduos
de grafite e borracha,
como provas de um crime
que tento apagar.

O cursor não deixa marcas
nem vestígios das
palavras bestas que rabisco.

No computador o poema não tem risco.
É como se nada tivesse acontecido.

2.
Algo se perde na poesia digitada,
e não é somente a rareza do original
que o colecionador do futuro não terá.

Digitar não é escrever:
não envolve a mão inteira,
nem o corpo, nem a matéria mítica
do papel e da caneta,
nem a sujeira,
nem a caligrafia ruim
(no computador todos têm letra bonita).

Deletar um arquivo
é diferente de rasgar uma folha.
Não há contato impuro
entre
o corpo a tela
e
a mão a madeira
do lápis.

Não há rasura:
o poema já sai no formato,
no aspecto e na arquitetura
em que será ignorado
pela crítica,
pelo leitor
e por ela.

3.
palavra borboleta,
tento em
vão caçá-la.
a tua silhueta
escapa quando
tento fixá-la
(com alfinete
ou toque do cursor)
na moldura-tela
do computador.

Luciano Trigo

Nasceu no Rio de Janeiro. Trabalhou como editor e crítico de cinema em diversos jornais e revistas. É autor de O viajante imóvel — Machado de Assis e o Rio de Janeiro de seu tempoEngenho e memória — O Nordeste do açúcar na ficção de José Lins do Rego e A grande feira — Uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea. Escreveu também romances, contos e quatro livros infantis. É pai da Valentina. Os poemas aqui publicados integram Motivo, seu primeiro livro de poesia, a ser lançado em breve pela 7Letras.

Rascunho