Poemas de Leila Guenther

Leia os poemas "sem título", "P. Phera" e "Wormland"
Leila Guenther, autora de “Partes homólogas”
02/06/2021

Tenho vários elefantes
E eles são brancos
E eles dormem na sala
Mas ocupam todos os cômodos
Ao mesmo tempo

E eles ouvem rádio
Alto, muito alto
Quando querem dançar

Um deles agora
Exatamente agora
Com sua tromba
Convida a cristaleira
Ainda não sei
Se para uma polca
Ou um tango

…..

P. Phera

A aranha armadeira que entrou aqui
Foi afugentada para o mato
Pela maciez das cerdas da vassoura
Respeito-a como a todos os bichos
Que avisam o bote

É preciso ler o que escreve a natureza
Antes de morrer por defendê-la

Não soubemos decifrar o horror
Porque ele nos paralisou
Com sua boca torpe e sua língua torta
Devíamos ter tomado
Com pontualidade kantiana
O remédio que nos foi receitado
Cinco dias da semana
De doze em doze horas
Mas estávamos preocupados demais
Com a invasão das aranhas armadeiras
Para perceber o movimento das entranhas

Minha pele é tão macia
Que nem se vê o podre que há por dentro
Vamos morrer de vermes
Tenho saudade das saúvas e de outros males
E não estou preparada para contar os corpos
Nem para não enterrar os mortos
Que virão

Jamais perdoarei os caçadores de tocaia
Uma aranha não mata ninguém por vaidade

…..

Wormland

Até hoje não se sabe
por que só os cães visitavam Lucy quando ela ficou doente
por que Ted enforcava quem não desse duas voltas na fechadura
por que o guarda sumia com os chaveiros e abridores de garrafa dos estabelecimentos que revistava
por que papai comprou um terreno no oceano
por que mamãe estocava ar em forminhas de gelo transparentes
por que ficaram intactos os cristais quando o terremoto quebrou todos os vidros
por que os muros não eram duros o bastante para as testas

por que me operavam sempre sem anestesia

Leila Guenther

Nasceu em Santa Catarina, em 1976. É autora de Partes homólogas (2019), Viagem a um deserto interior (2015), selecionado no Programa Petrobras Cultural e finalista do Prêmio Jabuti, e O voo noturno das galinhas (2006), traduzido para o espanhol (Borrador Editores) e editado também em Portugal (Nova Delphi).

Rascunho