Poemas de Salgado Maranhão

Leia os três poemas "sem titulo"
Salgado Maranhão, autor de “A sagração dos lobos”
01/08/2021

Ensina-me a alçar teus labirintos
que transcendem a flor de formicida;
ensina-me a nascer desses instintos
em que cantar transcende a própria vida.
Aceito tuas cartas e este recinto
onde fingimos não haver partida;
nesta sala de espelhos — se não minto —
entrar é o mesmo que não ter saída.
Ainda assim, é sublime. E há brio
na magrez do perdão que seca o lábio;
ainda que incertezas nos desmontem
as reciclagens desses alfarrábios
dos dias claros que se nos apontem
só o favor de não ter morrido ontem.

Procuro o crepúsculo sem fronteiras
na lupa do teu olho anfíbio. E resvalo
secreto em meus domínios.

Tenho só esta paz implacável,
onde dormem os leopardos (e
a urbe suja de lavagens).

Porém, espero esse pássaro
que amanhece o trigo. Espero
as sementes do teu sangue

desde as mitologias ressuscitadas.

O odor da terra crua; os barcos
que o mar não trouxe; a espada
sobre os tambores.

Ó fome que a boca esquece!

Trago-te essas tílias
em meu coração partido.
Eu que me hei redivivo;
E já morri tantas vezes…

Não conterei teu inverno
de sombra e fúria, em que
se ocultam meninos
carregando estrelas.

Crescem cidades em minha boca;
crescem gerânios sobre ruínas.

(Gosto de tua luz fugidia
de aranhas tecendo lendas; gosto
do que a solidão não ceifa).

Ó voz que respira
aos renegados e aos inocentes
cúmplices!

Sou este louco que vomita
flores, agarrado aos altares (agarrado a esses ramos
de anarquia e santidade).

Ainda ontem,
eu vi a nudez dos mortos vivos. Juro que vi
a sordidez vendendo a História.

Salgado Maranhão

Nasceu em 1953, no povoado Canabrava das Moças, município de Caxias (MA). Mudou-se para o Rio de Janeiro (RJ) em 1973. Seus primeiros poemas estão reunidos na antologia Ebulição da escrivatura (1978). Desde então publicou mais dez livros de poesia, o mais recente A sagração dos lobos (2017). Os inéditos são de seu próximo livro, Cantarias S/A.

Rascunho