Poemas de Michael O’Brien

Leia os poemas de traduzidos "Depois de Lu Yu", "Depois de Kiyohara Motosuke", "Uma vez", "Domingo", "Finistère", "As vidas dos Santos", "Fim de agosto"
Michael O’Brien, autor de “Sleeping and Waking”
02/06/2021

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

After Lu Yu

Road dust & winestains
on my clothes, a

long journey, everywhere
reminded of things.

What does it take to
be a poet? In the drizzle I

ride my donkey
through the Saber Gate.

Depois de Lu Yu

Poeira da estrada & manchas de vinho
em minhas roupas, uma

longa jornada, todos os lugares
me trazem lembranças.

O que é preciso para
ser um poeta? Na garoa vou

cavalgando meu burrico
através do Portão do Sabre.

…..

After Kiyohara Motosuke

I wish I could bring
home the brocade of
that autumn field of
bush clover, deer
snorting in the brushwood.

Depois de Kiyohara Motosuke

Eu gostaria de poder
trazer para casa o brocado
daquele campo outonal
forrado de trevos, corças
resfolegando na campina.

…..

Once

on the street she
yawns, her jeans
yawn, her knees
rhyme with her eyes

*

helpless, half-suppressed
smile of the
girl in the
Bleecker Street subway,
trying hard not to
beam across at her sweetie

*

work against correspondence, the
world is not a
book, everything is
not something else, you
could look it up

Uma vez

Na rua ela
boceja, seus jeans
bocejam, os joelhos
rimam com os olhos

*

sem jeito, o meio-suprimido
sorriso da
garota no
metrô da rua Bleecker,
se esforçando para não
sorrir para seu amor

*

trabalhar contra a correlação, o
mundo não é um
livro, as coisas não são
outra coisa, você
poderia ir atrás

…..

Sunday

The wind pressed against the glass.
The light upon the page was morning.

I went outside. The tide
carried the river back where it came from.

Across the island, another shore.
The shards are broken. They will not join.

Meeting of rivers troubles the water.
It does not know which way to turn.

Here the river has two currents,
one the tide’s share, one that waits.

Evening resolves them. They flow south.
The moon touches the river mouth.

Domingo

O vento forçando o vidro da janela
A luz sobre a página era a manhã.

Saí para fora. A maré
havia levado o rio para o lugar de onde veio.

Atravessando a ilha, um outro litoral.
Os cacos, aos pedaços. Não mais se encaixarão.

O encontro dos rios agita a água.
Que não sabe para que lado ir.

Aqui o rio tem duas correntezas,
uma a da maré, a outra é a que aguarda.

Com a noite, se acertam. Vão para o sul.
A lua roça a boca do rio.

…..

Finistère

The bones of a church lie clean in the sun

Lines of an old intention
Relinquished to its elements

No one to pollard the trees
Salt Roses lichens a rash of stone

A fox might live in this watered light

Finistère

Os ossos de uma igreja repousam limpos ao sol

Linhas de uma antiga intenção
Abandonada aos seus pedaços

Ninguém para cortar as árvores
Líquens de rosas salgadas uma erupção nas pedras

Uma raposa poderia viver nesta luz que a água rega

…..

Lives of the Saints

He thought life was an arrow in search of him. His presence seemed exceptionable, and he sought to efface it, placating or forestalling unknown powers. He took what arrived in homeopathic doses: from the window his inch of river; the offices of pale days; a sky like ash: a kind of reflection; a kind of cartoon. This lasted for years. One day, homesick for the body, he went for a walk. And was lost.

As vidas dos Santos

Ele achava que a vida era uma flecha tentando atingi-lo. Sua presença parecia repreensível, ele procurava apagá-la, aplacando ou prevenindo poderes desconhecidos. Ele pegava o que chegasse em doses homeopáticas: da janela, um pedacinho de rio; os afazeres dos dias nublados; um céu que se parecia com cinzas: um tipo de reflexão; um tipo de caricatura. Isso se prolongou por anos. Um dia, com saudades do corpo, ele saiu para uma caminhada. E se perdeu.

…..

Late august

No wind. Each leaf in
eternity. A
question-broken dream-
speech approaching its

limit. Flail of the
cicadas, that dry,
vacant sound. That husk,
Fury! Shipwreck of

sunset, waterfall
of the descending
escalator, its
fixed, archaic

gaze. Pulse of light. Lip
of the visible.
Eye to sky’s quarter
where the lightning is.

Fim de agosto

Não venta. Cada folha,
eterna. Uma
pergunta-rompe o que-diz-o-
sonho até o seu

limite. O martelar das
cigarras, de som
vago e seco. Aquela casca,
Fúria! O naufrágio do

pôr do sol, cascata
de escada rolante que
desce, com seu
olhar fixo e

arcaico. Pulsação de luz. Orla
do que é visível.
De olho no canto do céu
onde está o relâmpago.

…..

Inside

old barn, earth
floor, a
darkness, some
chips of light

*

dark butterfly of the
lungs, opening
&
closing its wings

Dentro

do velho celeiro, chão
de terra, a
penumbra, umas
lascas de luz

*

sombria borboleta dos
pulmões, abrindo
&
fechando as asas

…..

After Ôtaka Gengo Tadasuke

Surely there will be a
teahouse where we can
drink among plum blossoms
on our way to the other world.

Depois de Ôtaka Gengo Tadasuke

Certamente haverá uma
casa de chá onde poderemos
beber entre ameixeiras floridas
em nossa jornada ao outro mundo.

…..

Ghosts

Fake Greek temple
corner of Eighth &
14th used to be a
bank now sells carpets

*

Highway
sign
Wrapped in
burlap
It means
Nothing

*

Please
stand clear of the
clos-
ing do’s

Fantasmas

Fachada de templo grego
esquina da rua Oito com a
14, antes era um
banco agora vende tapetes

*

Placa na
estrada
Enrolada num
saco
Não quer dizer
Nada

*

Por favor
mantenha-se longe das
port-
as aut’s

Michael O’Brien
O poeta Michael O’Brien (1939-2016) foi um típico outsider. Depois de um início surrealista, em que fez parte do obscuro grupo novaiorquino Eventorium, ele mudou gradativamente seu estilo para uma poética lírica e minimalista, com forte influência das poesias clássicas chinesa e japonesa. O’Brien só obteve reconhecimento da crítica com o premiado livro Sleeping and Waking, de 2007. Quando morreu, nove anos depois, era um dos principais poetas em atividade nos Estados Unidos.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho