Poemas de Lubi Prates

Leia os três poemas "sem titulo"
Lubi Prates, autora de “um corpo negro” Foto: Mayara Barbos
01/08/2021

eu te ofereço as minhas águas,
você aceita e mata sua sede
— avidamente.

algumas gotas transbordam
da sua boca,
escorrem pelo seu queixo,
pescoço, peito.

uma poça se forma
aos seus pés.

eu te ofereço mais & mais.

a poça se transforma em riacho,
você não percebe,
cobre os nossos pés,
alcança os joelhos.

o riacho se transforma em rio
calmo, sou ele,
cobre os nossos umbigos,
cobre os meus seios.

tudo agora é água,
eu mergulho em mim
enquanto você se afoga.

eu te salvo, te faço boiar.

recolho porções de terra
— do que antes era chão
e já é fundo de rio,
e coloco sobre você:

eu te faço uma ilha
onde eu possa habitar.

te construo uma casa
ao mesmo tempo
em que me faço
uma casa para você.

imito um joão-de-barro
catando terras e gravetos
com o bico, nos envolvendo
com isso, nos enfeitando
de restos.

te construo uma casa
ao mesmo tempo
em que me faço
uma casa para você.

só não inventei ainda
um jeito de nos encontrarmos
nestes endereços diferentes.

recolho os seus pedaços
abandonados pela casa:

fios de barba e cabelo
no travesseiro,
o toque sobre os móveis,
uma mirada pelos quadros,
seu cheiro que ocupa
todos os espaços:

recrio a sua presença
para ser constante.

recolho os seus pedaços
abandonados pela casa:

agora, você está aqui,
diante de mim.

Lubi Prates

Nascida em São Paulo, é autora de coração na boca (2012), triz, (2016) e um corpo negro (2018 — finalista do 4º Prêmio Rio de Literatura e do 61º Prêmio Jabuti), também traduzido e publicado na Argentina, Colômbia, Croácia, Estados Unidos e França. Tradutora de Poesia completa, de Maya Angelou, e Zami: uma biomitografia, da Audre Lorde.

Rascunho