Poemas de Daniel Arelli

Leia os poemas "sem titulo", "Vila de fechados" e "Um domingo"
Daniel Arelli, autor de “Pavilhão”
01/05/2021

Rio Cipó

contam que uma tromba d’água
primordial
varreu todas as coisas
aos exatos lugares
em que hoje estão

veja-se, por exemplo,
aquelas pedras imensas

quedam-se como monumentos
ao motor ancestral
que as deslocou
e imobilizou

atravessamos a paisagem
como se fosse uma era

e nos juntamos respeitosamente
a seu silêncio
a sua exatidão

…..

Vila de fechados

as pedras formam
e deformam
o caminho

os cães que nos escoltam
juntos
não compõem uma matilha

a vila é fechada em si
a vila é uma clareira
aberta na mata

todo corpo vivo
carrega consigo
um morto

seminus, semissubmersos
no curso desse rio
estamos a meio caminho
do que não somos

…..

Um domingo

cortamos a grande fruta em fatias imperfeitas
manuseáveis
apetecíveis
a gata toca gota a gota a água
que pinga da pia
com a pata
trazendo-a à boca
arrancamos o miolo dos pães
esculpindo formas
concretíssimas
abstratas
marca-nos
a tinta do jornal nas pontas apenas
de dois dedos
a tinta dos dias
que lavamos
com um só fio de água

Daniel Arelli

Nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1986. É doutor em filosofia pela Universidade de Munique e professor da Universidade do Estado de Minas Gerais. Publicou os livros de poesia Lição da matéria (Prêmio Paraná de Literatura 2018) e Pavilhão (2020).

Rascunho