Poemas de Sallié Oliveira

Leia os poemas "I", "X", "XXXIII" e "XLI"
Ilustração: Thiago Lucas
01/10/2022

I
da última vez,
ele já não estava interessado em meu corpo
porque já não estava interessado em mim
então ele fez algo com meu corpo
que eu não gosto que façam com meu corpo
mas eu permiti porque fazer algo com meu corpo
significava que ele estava interessado em meu corpo
e estava interessado em mim
mas descobri que fez o que fez
já não interessado em meu corpo
sequer interessado em mim
e foi a última vez que eu vi seu corpo
e foi a última vez que ele viu a mim.

 

Ilustração: Thiago Lucas

X
daqui a sete dias
eu vou me renascer
não inteiramente
eu não quero o primeiro dia
eu não quero o primeiro ano
sem pressa alguma
sem lascívia pela vida que eu vou colocar
acima da vida que hoje eu deixo descansar
eu terei braços fortes lá para sexta-feira
e eu terei esperanças fortes até o verão
sozinho como uma criança aprendendo a respirar
eu serei o engenheiro de mim mesmo
o novo corpo que será chamado de meu
a nova vida que será chamada de minha
eu os terei com a máquina que fabrica
a tristeza vazia de meus dias
meus caminhos duvidosos
eu serei o berço de mim
eu serei as grandes notícias pelas quais eu tenho esperado por toda minha vida.

Ilustração: Thiago Lucas

XXXIII
por favor não me interrompa
permito que me digladie os versos
diga farsa da dedicação que aqui componho
artista pouco arte pouca poesia porca
e me leia cuspindo como quem quer se limpar
depois destrua minhas palavras dando mais letras que escrevi
repita-me de cabeça acrescentando os versos que desejar
não ame nada do que eu edifiquei para ser amado
estás livre para agir infernal sobre minhas palavras
o poeta é chão se quiser que chão o poeta seja
mas não me interrompa
vá num gole só viagem só de ida
não pare nem para pensar na crase
a parada não vale a boa vírgula
só me leia sem fôlego
exigência única
um só golpe nocaute morte súbita
engula-me sem decifrar coisa alguma
depois você respira
depois você cospe
depois você grita.

XLI
se não fosse a poesia
eu já o teria esquecido
se não fosse a poesia
eu já o teria deixado
é preciso que o verso exista
então ele não dá um passo
não sei quem mais se sacrifica
quem se lembra ou quem é o lembrado.

Sallié Oliveira

É ator e escritor. Filho de pais nordestinos, nasceu em Diadema (SP) e atualmente vive em São Bernardo do Campo. É autor das coletâneas de poemas Elizabeth & João Pedro (2018) e Guerra no corpo do homem (2022). Em 2021, foi finalista do 17º Prêmio Barco a Vapor com Ana, A mãe de Ana e Ana de novo.

Rascunho