Linh Dinh

Leia os poema traduzidos: "Para deixar a conjugação", "Comer frango frito", "Balas incessantes sobre a Terra achatada", "Quinze rodadas com um ninguém" e "Um conto reacionário"
Ilustrações: Marcelo Frazão
01/06/2025

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

To flee conjugation

Lugging my exploded home
And trampling on my own name,
I trek to a yearned deformation.

Imperial chaos hacks flesh,
Sends the unmeshed toward a
Capsized horizon. They dream
Of clean graphic design, houses
That don’t collapse onto cribs.

Invaded, the invaded invade
The invaders’ kitchens and,
Soon enough, bedrooms. Look,
They’re invading each other.

Shut up, smug face, you know
Nothing of ugliness, even that
Which you’ve long bankrolled.

Para deixar a conjugação

Carregando minha casa explodida
E pisoteando meu próprio nome,
Caminho rumo a uma ansiada deformação.

O caos imperial retalha a carne,
Envia os desgarrados em direção a um
Horizonte emborcado. Eles sonham
Com design gráfico elegante, casas
Que não desabam sobre berços.

Invadidos, os invadidos invadem
As cozinhas dos invasores e,
Sem tardar, os quartos. Veja,
Eles estão se invadindo mutuamente.

Cale a boca, presunçoso, você bem sabe
Que nada sabe sobre a feiura, nem mesmo
Sobre aquilo que há tempos financiou.

Eating fried chicken

I hate to admit this, brother, but there are times
When I’m eating fried chicken
When I think about nothing else but eating fried chicken,
When I utterly forget about my family, honor and country,
The various blood debts you owe me,
My past humiliations and my future crimes—
Everything, in short, but the crispy skin on my fried chicken.

But I’m not altogether evil, there are also times
When I will refuse to lick or swallow anything
That’s not generally available to mankind.

(Which is, when you think about it, absolutely nothing at all.)

And no doubt that’s why apples can cause riots,
And meat brings humiliation,
And each gasp of air
Will fill one’s lungs with gun powder and smoke.

Comer frango frito

Detesto admitir, irmão, mas há momentos
Quando estou comendo frango frito
Quando não penso em mais nada além de comer frango frito,
Quando me esqueço completamente da minha família, honra e nação,
Das muitas dívidas de sangue que você tem comigo,
Minhas humilhações passadas e meus futuros crimes —
Tudo, em suma, exceto a pele crocante do meu frango frito.

Mas não sou totalmente mau, pois também há momentos
Em que me recuso a lamber ou engolir qualquer coisa
Que não esteja em geral disponível para a humanidade.

(O que, pensando bem, é absolutamente nada.)

E sem dúvida é por isso que maçãs podem causar tumultos,
E carne, trazer humilhação,
E cada suspiro de ar
Encherá os pulmões de pólvora e fumaça.

Continuous bullets over flattened Earth

Like horizontal couriers of a vertical fate,
Like troop rotations at a service station.
Like English lessons in Guantánamo,
Like draping towels onto a bronze head,
Like spraying love onto the sand.
I went as one and came back as two.
I went as one and came back as zero.

Balas incessantes sobre a Terra achatada

Como mensageiros horizontais de um destino vertical,
Como o giro de tropas num posto de gasolina.
Como aulas de inglês em Guantánamo,
Como pendurar toalhas numa cabeça de bronze,
Como borrifar amor pela areia.
Fui como um e voltei como dois.
Fui como um e voltei como zero.

Fifteen rounds with a nobody

I can only show my happy self
To A, and my angry self to B;
Thus, when I’m with both A and B,
I do not know how to behave.

Jolted by an unpleasant memory,
I punch myself—hard!—in the face.

In my defense I can only say:
“The point is universality and solidarity.
Unity, transparency, efficiency.
Collectivity and objectivity.
These are the key words.”

Quinze rodadas com um ninguém

Só posso exibir meu lado feliz
Para A, e meu lado triste para B;
Assim, quando estou com A e B,
Não sei como agir.

Abalado por uma lembrança ruim,
Me dou um soco — forte! — no rosto.

Em minha defesa, só posso dizer:
“A questão é universalidade e solidariedade.
Unidade, transparência e eficiência.
Coletividade e objetividade.
Estas são as palavras-chave.”

A reactionary tale

I was a caring husband. I bought socks for my family.

My swarthy wife liked to wear these thick woolen socks that came up to her milky thighs.

I had a lover also. People could see me walking around each evening carrying a walking stick.

My most vivid memory, looking back, is of a pink froth bubbling out of my infant’s mouth.

Not everything was going so well: one morning, malnourished soldiers marched down our tiny street, bringing good news.

When good news arrives by mail, the cuckoo sang, tear up the envelope. When good news arrives by e-mail, destroy the computer.

When an old friend came by to reclaim an old wound, I said to my oldest son: Go dump daddy’s ammo boxes into the fragrant river.

To reduce drag, some of my neighbors were diving headfirst into a shallow lake.

We were rich and then we were poor. A small dog or maybe a cat now pulls our family wagon.

Um conto reacionário

Fui um marido atencioso. Comprava meias para minha família.

Minha esposa cor de bronze gostava de usar aquelas meias grossas de lã que chegavam até suas coxas leitosas.

E eu tinha uma amante. As pessoas me viam todas as noites andando por aí com uma bengala.

Minha lembrança mais vívida, olhando para trás, é de uma espuma rosa borbulhando na boca do meu bebê.

Nem tudo estava indo muito bem: certa manhã, soldados famélicos marcharam por nossa pequena rua, trazendo boas notícias.

Quando boas notícias chegam pelo correio, cantava o cuco, rasgue o envelope. Quando boas notícias chegam por e-mail, destrua o computador.

Quando um velho amigo veio para curar uma antiga ferida, eu disse ao meu filho mais velho: Jogue as caixas de munição do papai no rio perfumado.

Para reduzir o arrasto, alguns dos meus vizinhos estavam mergulhando de cabeça numa lagoa rasa.

Éramos ricos, ficamos pobres. Um cachorrinho ou talvez um gato é quem puxa a carroça da família.

Linh Dinh
Nasceu em Saigon (Vietnã), em 1963. Vive nos Estados Unidos desde 1975, quando sua família fugiu da guerra. Além de poeta, é romancista, tradutor e fotógrafo, e já foi professor na Universidade da Pensilvânia, de East Anglia, na Inglaterra, e de Leipzig, na Alemanha. Dihn escreve uma poesia direta, crua e muitas vezes violenta, na qual seu passado no Vietnã muitas vezes ecoa.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhasCemitérios, Exílio, entre outros.

Rascunho