Poemas de John Koethe

Leia os poemas traduzidos "O seu dia", "Medo do futuro", "Da varanda", "Cada uma como dá" e "Montana"
John Koethe, poeta, ensaísta e professor de filosofia
30/07/2019

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

Your day

I’ve spent the whole day listening
to you, or looking for paintings
with you, the one
I finally bought has a girl in a yellow
dress standing next to a white wall
that looks like cheese
I carried it
home under my jacket, it was raining
you stumbled
and caught your balance I think
my Italian cookbook is all nonsense
you move beautifully riding the subway
or bending to put on a record
when you sing
hold the microphone, sing into it
I say
over drinks in a dark room
your ears look red
in front of the lamp
I am sleepy, the record seems louder
everything is moving

O seu dia

Eu passei o dia inteiro ouvindo
você, ou buscando por pinturas
com você, e a que
eu acabei comprando tem uma garota num vestido
amarelo de pé junto a uma parede branca
que parece um queijo
eu a carreguei
Para casa sob o meu casaco, estava chovendo
você tropeçou
e se reequilibrou eu acho que
o meu livro de culinária italiana é puro nonsense
você se move lindamente pegando o metrô
ou se curvando para colocar um disco
quando você canta
segura o microfone, canta nele
eu digo
depois dos drinques no quarto escuro
suas orelhas ficam vermelhas
na frente do abajur
estou com sono, o disco parece tocar mais alto
tudo está se movendo

…….

Fear of the future

In the end one simply withdraws
From others and time, one’s own time,
Becoming an imaginary Everyman
Inhabiting a few rooms, personifying
The urge to tend one’s garden,
A character of no strong attachments
Who made nothing happen, and to whom
Nothing ever actually happened — a fictious
Man whose life was over from the start,
Like a diary or a daybook whose poems
And stories told the same story over
And over again, or no story. The pictures
and paintings hang crooked on the walls,
The limbs beneath the sheets are frail and cold
And morning is an exercise in memory
Of a long failure, and of the years
Mirrored in the face of the immaculate
Child who can’t believe he’s old.

Medo do futuro

No fim nós apenas nos afastamos
Dos outros e o tempo, o tempo de cada um,
Virando um imaginário Homem Comum
Vivendo em poucos cômodos, personificando
A urgência de cuidar do jardim,
Um personagem com poucos elos
Que nada realizou, e para quem
Nada de fato acontece — um homem
Fictício cuja vida havia acabado quando começou,
Como o diário ou o caderno cujos poemas
E histórias contam a mesma história sempre
E sempre e sempre, ou nenhuma história. As telas
E pinturas penduradas tortas nas paredes,
Os membros sob os lençóis são frios e frágeis
E a manhã é um exercício em memória
De um longo fracasso, e dos anos
Espelhados na face da imaculada criança
Que não consegue acreditar estar velha.

…….

From the porch

The stores were bright, and not too far from home.
The school was only half a mile from downtown,
A few blocks from the Oldsmobile dealer. In the sky,
The airplanes came in low towards Lindbergh Field,
Passing overhead with a roar that shook the windows.
How inert the earth must look from far away:
The morning mail, the fantasies, the individual days
Too intimate to see, no matter how you tried;
The photos in the album of the young man leaving home.
Yet there was always time to visit them again
In a roundabout of way, like the figures in the stars,
Or a life traced back to its imaginary source
In an adolescent reverie, a forgotten book —
As though one’s childhood were a small midwestern town
Some forty years ago, before the elm trees died.
September was a modern classroom and the latest cars,
That made a sort of futuristic dream, circa 1955.
The earth was still uncircled. You could set your course
On the day after tomorrow. And children fell asleep
To the lullaby of people murmuring softly in the kitchen,
While a breeze rustled the pages of Life magazine,
And the wicker chairs stood empty on the screened-in porch.

Da varanda

As lojas reluziam e não ficavam longe de casa
A escola ficava a apenas meia milha do centro,
A poucas quadras da revenda Oldsmobile. No céu,
Os aviões vinham descendo rumo ao Campo Lindbergh,
Passando por sobre nós com um ronco que fazia vibrar as janelas.
Quão inerte a música da terra parece assim de longe:
O correio da manhã, as fantasias, os dias particulares
Íntimos demais para serem vistos, não importa o quanto se tentasse;
As fotos no álbum do garoto deixando o lar.
Ainda que se sempre houvesse tempo para visitá-los novamente
Numa rotunda, como os desenhos nas estrelas,
Ou uma vida traçada de volta à sua fonte original
Num sonho adolescente, um livro esquecido —
Como se a infância houvesse sido uma pequena cidade do interior
Uns quarenta anos atrás, antes que os olmos morressem.
Setembro era uma sala de aula moderna e os carros mais novos,
Que faziam um tipo de sonho futurista, por volta de 1955.
A terra ainda não havia sido circundada. Você podia marcar seu rumo
No dia depois de amanhã. E as crianças caiam no sono
Com a canção de ninar das pessoas murmurando suavemente na cozinha,
Enquanto uma brisa farfalhava as páginas da revista Life,
E as cadeiras de vime permaneciam vazias na varanda com suas telas.

…….

Each one as she may

One life is enough. One private story
Lived out on a summer day. The play of the wind
And the fastidious vacuity of the mind
Lifting the chaos of emotion at the heart of life

Into these clouds of feeling, these reflections
Of the glancing voice upon the dark, unformulated sob.
The birds are singing and the mind is still.
This is how my life was always going to be.

But another time it might have quietly opened out
To take in all of the vulgar disarray
Sprawled out here under the uncomprehending sun.
A simplifying memory might have smiled and sighed

Because it knew its kind of happiness could never end
And that a moment of eternal recompense and peace
Lay in the cool sweetness of the summer shade.
But now the days go by and each one is the same

For life is reading and respite from reading,
And living in a vague idea of where the others are,
Or in dreams, or in these simple versions of the past.
So let the wind die and the birds fall silent

And the gladness of the summer afternoon dissolve
Into these light, distracted semblances of life
Drawn from a purely private story of unwritten grief
And happiness, for myself and strangers.

Cada uma como dá

Uma vida é o bastante. Uma história privada
Vivida num dia de verão. A música do vento
E a enfadonha vacuidade da mente
Erguendo o caos da emoção no coração da vida

Até estas nuvens de sentimentos, estas reflexões
Da reluzente voz sobre o soluço escuro e não formulado.
Os pássaros cantam e a mente, em silêncio
É assim que a minha sempre seria.

Mas num outro tempo ela poderia ter discretamente se aberto
Para absorver toda a bagunça vulgar
Aqui espalhada sob este incompreensível sol.
Uma memória que simplificasse poderia ter sorrido e suspirado

Porque saberia que esse tipo de felicidade jamais poderia acabar
E que um instante de eterna recompensa e paz
Repousa no doce frescor de uma sombra no verão.
Mas agora os dias passaram e cada um é o mesmo

Porque a vida é leitura e descanso da leitura,
E viver numa vaga ideia de onde os outros estão,
Ou em sonhos, ou nessas simples versões do passado.
Deixemos então que o vento morra e que os pássaros caiam mudos

E que a alegria da tarde de verão se dissolva
Nestas luzes, desatentas imagens da vida
Tiradas de uma história privada e não escrita de luto
E felicidade, para mim e para os que não conheço.

…….

Montana

I get lost in your dresses. The grace
You enlist as you join me
In the room that is smaller than both of us
Is emptier than you are and more part of us.

I wish you were a long movie —
Surprising as goodness, humorless, and really unclever.
I think of the places you’d visit.
I think of what you’d be like in a “context.”

And I feel like a saucer of milk
Or a car with its lights on in daylight.
For the day will accept us without noise

And your noise that is shaped like sound never changes.
And I can hear it, but like a screen

It divides me
It makes you stay where you are.
At home we could understand pictures
That enlarged as you became part of them,

That enlarged as you vanished into them, my stories
Were all about trains with an outline of horses

And they were real trains. So my thoughts of you move
Over all we’ve deliberately forgotten.
And our luck is all still out there.

Montana

Eu me perco no seus vestidos. A graça
Que você inscreve quando me encontra
No quarto que é menor do que nós dois
É mais vazio do que você e mais parte de nós.

Eu queria que você fosse um filme longo —
Tão surpreendente quanto bondoso, sem humor e pouco inteligente.
Penso nos lugares que você visitaria.
Penso no que você se pareceria num “contexto.”

E me sinto como um pires com leite
Ou um carro com os faróis acesos na luz do dia.
Porque o dia nos aceitará sem ruídos

E o seu ruído que tem a forma de som nunca muda.
E eu posso ouvi-lo, mas como uma tela

Ele me divide
Ele faz com que você fique onde está.
Em casa nós poderíamos compreender as pinturas
Que cresceram conforme você se tornou parte delas,

Que cresceram conforme você se dissolveu nelas, minhas histórias
Eram todas sobre trens com perfis de cavalos

E eram trens de verdade. Então meus pensamentos sobre você se movem
Sobre tudo o que deliberadamente esquecemos.
E a nossa sorte ainda está lá fora.

John Koethe
Poeta e filósofo, ou vice-versa. John Koethe (1945) tem passado a vida a se equilibrar entre as duas atividades e, embora costume dizer que não gosta de poemas que falem de filosofia, fica a pergunta: o amor, a passagem do tempo, a vida e a morte, apenas para citar alguns de seus temas preferidos, não são objetos tanto de uma atividade quanto da outra?
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho