Concentração e paciência

Romance de Joaquim Nogueria traça caminho tortuoso para o leitor
Joaquim Nogueira, autor de “Homem ao mar”
01/12/2011

Alguns livros dão trabalho para ler porque são densos, têm uma temática complexa e tratam de temas que são espinhosos, quase tabus em alguns lugares. Mas há outros que são trabalhosos apenas porque estão escritos de uma forma talvez equivocada, cheia de idas e vindas relativamente desnecessárias, em que o autor, na busca por um estilo próprio, ousa mais do que o recomendado, e acaba tornando a missão do leitor mais difícil. O segundo caso é talvez o que mais se aplica a Homem ao mar, de Joaquim Nogueira. E a ânsia em buscar reproduzir no papel uma espécie de delírio do protagonista do romance acaba tirando o brilho de uma boa história.

Em resumo, Homem ao mar conta a história de um homem de 40 anos (melhor não dizer seu nome para não estragar um pedaço da trama) que acaba de ser baleado quando retorna ao seu local de trabalho. Ele não morre com as balas, mas começa a delirar e a pensar na vida. E pensa bastante pois acredita que, enquanto ele puder pensar, conseguirá encontrar alguma maneira de se salvar. Claro, ele não é flor que se cheire, e logo descobrimos que ele trabalhara para um tal de Zezinho, que comanda bancas de bicho em São Paulo.

A história desse homem vai sendo revelada aos poucos durante o seu delírio, como se um pintor estivesse trabalhando em vários quadros separados, todos ao mesmo tempo, mas que apenas ao fim se percebe que se tratam de uma mesma obra. Sim, apesar do devaneio extremado do personagem agonizante, Nogueira consegue dar suas pinceladas para compor a obra maior. Qualquer tentativa nessa resenha de explicar um pouco melhor a história tiraria o prazer da descoberta por parte do leitor, e o quadro final só fica claro mesmo quando se chega às páginas finais do livro.

Mas é preciso fazer um alerta. Homem ao mar requer concentração e alguma paciência. Concentração pois há uma quantidade grande de personagens coadjuvantes que vão aparecendo ao longo da vida do homem e, como não há uma narração linear do que aconteceu previamente à tentativa de assassinato, podemos ter um parágrafo falando de Iaco, seguido de outro falando de Terezinha, mais outro que menciona Ana Flávia, passando por Tânia e chegando a Lucila. Um parágrafo não necessariamente continua a história de seu predecessor, nem antecipa o próximo. E paciência porque, nesse ir e vir contínuo, há coisas que são repetidas algumas vezes, como que para lembrar o leitor de onde ele estava no momento em que Iaco foi apresentado, por exemplo.

Necessário é admirar o trabalho de Nogueira que, apesar de todo esse vaivém, consegue manter uma linha mestra que permeia todo o romance. Dá a impressão de que o autor primeiro pensou em toda a história de vida do protagonista para só depois quebrá-la em milhares de pedaços e colocá-la em uma ordem absolutamente pessoal, que não segue lógica alguma (ou talvez siga, mas me foi impossível descobri-la). Também deve-se elogiar que o autor consegue prender a atenção do leitor pois, a partir de um certo ponto, passado o desconforto inicial do vaivém contínuo, queremos chegar logo ao fim para saber o destino desse homem moribundo. Ele se salvará ou não? E como isso acontecerá, se é que vai?

Um outro porém vai para o casal que aparece no terço final do livro, que surge do nada, sem justificativa alguma, e acaba sendo fundamental para o destino do homem baleado. “Como assim”, perguntaria um leitor leigo no mundo paralelo da criminalidade. Mas essa pode ser uma impressão pessoal, visto que Nogueira conhece bem mais sobre esse tipo de gente que a média das pessoas.

Joaquim Nogueira é advogado formado pela USP e delegado aposentado, o que provavelmente o credencia a falar de um mundo ao qual a elite intelectual não tem acesso (sem preconceitos, apenas a dura realidade). Homem ao mar é seu terceiro romance, mas desta vez sem a presença do investigador Venício, protagonista do elogiado livro de estréia Informações sobre a vítima (2002) e de Vida pregressa (2003), ambos publicados pela Companhia das Letras. Ainda que tortuoso, Homem ao mar mostra que Nogueira tem algo a dizer e o faz de maneira competente, o que já é um bom sinal.

Homem ao mar
Joaquim Nogueira
Miró Editorial
218 págs.
Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

Rascunho