O xará famoso

A necessidade de afastar-se do “fantasma” do parente famoso e a busca pela imortalidade à sua maneira
Ilustração: Thiago Lucas
06/09/2023

Se estou estreando hoje aqui no Rascunho, é muito em função de um episódio envolvendo um parente e homônimo meu: Carlos Castello Branco. Por causa dele, optei por abandonar as redações e passei a usar o nom de plume Carlos Castelo.

Carlos Castello Branco, o Castelinho (também o meu apelido), nasceu em Teresina (como eu) em 1920. Em 1939, já trabalhava como jornalista e ocupou vários cargos de liderança nos Diários Associados.

Meu xará virou repórter político em 1949, passando por O Jornal, Diário Carioca e O Cruzeiro.

Em 1961, foi secretário de imprensa do presidente Jânio Quadros. Retornou ao jornalismo em 1962 como chefe da sucursal do Jornal do Brasil, em Brasília, posição que manteve até 1972.  A consagrada Coluna do Castello nasceu ali, redigida por alguém com um conhecimento profundo dos meandros do poder.

Em 1982, meu correlato foi eleito para a Cadeira 34 da Academia Brasileira de Letras.

Quando eu cursava a faculdade de jornalismo Cásper Líbero, ali pelos anos 1980, um professor, ao ver o meu nome na lista de chamada, comentou:

— E não é que temos um Carlos Castello Branco na sala! Sua especialidade deve ser o colunismo político, não?

Obviamente, eu sabia que o tio era um dos maiores observadores da cena política nacional. E, claro, tinha conhecimento de que ele testemunhara e relatara muitos dos eventos mais significativos da nossa história recente, incluindo o golpe militar de 1964. Só não imaginava que seria comparado ao parente na primeira semana de aula.

O fato me aborreceu. Passei a não apreciar mais que me chamassem de Castelinho e, depois de alguns anos de formado, larguei as redações e fui trabalhar como copywriter em agências de publicidade.

Aos que me indagavam a razão, repetia sempre com o mesmo bordão, em tom de mofa: “não há lugar para dois Carlos Castello Branco no jornalismo; serei o Castelinho da propaganda”.

Foi uma promessa feita em instantes de comoção; não sou ícone de nada, mas assim jurei àquela época. A resolução incluiu ainda extirpar o Branco e um “l” do Castello. A partir dali, como Carlos Castelo, eu sobreviveria dos meus escritos comerciais e ainda arriscaria continhos, letras de música, versos e crônicas bem-humoradas e irônicas, como esta e tantas outras.

Vivi assim, alforriado do afamado similar, nos últimos muitos anos até cair em minhas mãos, recentemente, um livro intitulado Continhos brasileiros e outros contos (1952),  da coleção Austregésilo de Athayde, da ABL. O autor? Sim, ele: Carlos Castello Branco!

A obra não é muito conhecida. Sobre ela, escreveu o imortal Eduardo Portella: “A prosa bem-humorada (grifo meu) de Carlos Castello Branco interrompe e desvia situações do trivial variado, o tempo todo ameaçado pelo tédio e o desencanto. O sopro vital da ironia (grifo meu) se transforma em núcleo de reoxigenação da cotidianidade”.

Li os 18 textos, de uma sentada, e fiquei perplexo com a maestria do consanguíneo. Pena que o outro Carlos efetivou somente um livro de contos em vida. Se o jornalismo tivesse perdido seu grande analista político, certamente a literatura teria conquistado um ficcionista notável — e de muitos tomos.

Mas cada um com sua distinção. Carlos Castello Branco pelo fino trato com as ideias e palavras que o levaram à ABL; Carlos Castelo pela luta em nunca ser confundido com um parente célebre. Afinal de contas, em um mundo de imitadores, ser único também é uma forma de imortalidade.

Carlos Castelo

É jornalista e escrevinhador. Cronista do Estadão, O Dia, e sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo. É autor de 18 livros.

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