Top 15: os novos clássicos da cultura

Imagine que um jornalista pediu a você que dissesse quais são, em sua opinião, os 15 livros mais importantes publicados na primeira década do novo século
Neil Gaiman, autor de “O livro do cemitério”
01/05/2012

Imagine que estamos em 1912.

Imagine que um jornalista pediu a você que dissesse quais são, em sua opinião, os 15 livros mais importantes publicados na primeira década do novo século. Os livros de ficção e não-ficção que já nasceram clássicos. Os livros que, consagrados também pelas futuras gerações, daí a cem anos ainda continuarão em catálogo.

Será que em seu ranking aparecerão obras ainda pouco conhecidas, como Radioatividade (1904), de Ernest Rutherford, e Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905), de Sigmund Freud?

É claro que você incluirá o badalado Os sertões (1902), de Euclides da Cunha, mas o que dizer de Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909), do obscuro Lima Barreto?

Meses atrás, um jornalista me pediu que dissesse quais são, em minha opinião, os 15 livros mais importantes publicados na primeira década do século 21.

Demorei bastante pra preparar meu ranking. Até perdi o prazo. Depois de muito refletir, estes são os meus novos clássicos da cultura, em ordem cronológica:

Perdido Street Station, romance de China Miéville publicado em 2000.
Miéville é um dos nomes mais importantes da ficção new weird de língua inglesa e o premiado Perdido Street Station, ainda sem edição no Brasil, é seu romance mais emblemático. A narrativa ocorre em New Crobuzon, uma cidade-estado fantástica inspirada na Londres vitoriana, habitada por homens e criaturas bizarras.

A dança da realidade, memórias de Alejandro Jodorowsky publicadas originalmente em 2001. No Brasil saíram em 2010.
O chileno Alejandro Jodorowsky é uma figura difícil de ser enquadrada. Ficcionista, dramaturgo, roteirista, cineasta, vidente, curandeiro, psicoterapeuta, santo: Jodorowsky é simplesmente inclassificável. A dança da realidade, relato composto de mil histórias saborosas, é o triunfo da beleza simples, sem afetação, carregada de imaginação poética.

Retratos de Carolina, romance de Lygia Bojunga publicado em 2002.
Narrativa excepcional de uma autora excepcional. No circuito literário, Lygia é conhecida e respeitada por escrever ótimos livros para crianças e jovens. Mas essa classificação acaba afastando injustamente sua obra do público adulto. Em Retratos de Carolina, a autora cria uma protagonista sensível e inquieta, com a qual se encontra, conversa, discute sobre a vida e a morte.

Reconhecimento de padrões, romance de William Gibson publicado originalmente em 2003. No Brasil saiu em 2004.
Gibson, autor do já clássico Neuromancer (1985), foi um dos inventores do cyberpunk, gênero que reúne na mesma plataforma a alta tecnologia e o caos social (“high tech, low life”). Reconhecimento de padrões é sobre os excessos hedonistas da época atual, sobrecarregada de informática e cultura pop.

Erección del labio sobre la página, coletânea de poemas de Leopoldo María Panero publicada em 2004.
Poeta do delírio e da autocontemplação autodestrutiva, este espanhol publicou várias coletâneas de poemas na primeira década do século 21, todas excelentes, todas radicais. Sua relação com a insanidade não é meramente lírica ou retórica. Freqüentador assíduo de clínicas psiquiátricas, Panero é um escritor que fala da loucura do interior da loucura.

Problems of rationality, coletânea de ensaios filosóficos de Donald Davidson publicada postumamente em 2004.
Quase nada da importante obra do filósofo Donald Davidson foi publicado no Brasil. São luminosas suas reflexões sobre a racionalidade, a linguagem, as crenças, os desejos e outros processos fundamentais da mente humana. Problems of rationality, coletânea de ensaios lançada logo após a morte do filósofo, encerra um percurso magistral.

Contos negreiros, coletânea de contos de Marcelino Freire publicada em 2005.
Essa é de longe uma das melhores coletâneas da década passada. Sua força expressiva está toda na irreverência politicamente incorreta: um ótimo antídoto contra a hipocrisia social. A oralidade das ladainhas e das canções nordestinas é a marca registrada do autor, nosso concretista do agreste.

Dones de la vigília, coletânea de poemas de Arturo Herrera publicada em 2005.
O poeta argentino Arturo Herrera, talvez por estar distante do rebuliço de Buenos Aires (ele é de Catamarca, província do noroeste da Argentina), ainda é pouco conhecido no Brasil. Em seus poemas, o universo doméstico surge vasto e solitário, freqüentemente demarcado por livros e autores. Situação favorável ao diálogo da lírica com a filosofia e a História.

Logros consentidos, coletânea de poemas de Inês Lourenço publicada em 2005.
Difícil dizer por que a veterana Inês Lourenço, nascida na cidade do Porto, ainda não tem uma coletânea de poemas publicada no Brasil. Ela é uma das melhores vozes de sua geração. Prova disso é Logros consentidos, que traz uma fornada de poemas antológicos, entre eles meu predileto: Réquiem por Ruth Handler (a criadora da boneca Barbie).

Jukebox, coletânea de poemas de Manuel de Freitas publicada em 2005.
Da mesma geração de Gonçalo M. Tavares e José Luís Peixoto, aqui está outro excelente poeta português que ainda não chegou ao Brasil: Manuel de Freitas. Sua lírica é a do existencialismo pop, bêbado e melancólico. Jukebox traz saborosos poemas endereçados a Billie Holiday, Chet Baker, Lou Reed, Nick Cave, Madredeus e outros.

Contra o dia, romance de Thomas Pynchon publicado originalmente em 2006. No Brasil saiu em 2012.
Épico entrópico com mais de cinqüenta personagens envolvidos em dezenas de tramas e subtramas. Thomas Pynchon fundiu com sucesso duas tradições hoje absolutamente isoladas: a literatura de entretenimento e a de reflexão. O alvo de sua ironia peculiar é a sociedade pós-Segunda Guerra Mundial, que perdeu totalmente a inocência, a fantasia e a capacidade de aventurar-se.

Macho não ganha flor, coletânea de contos de Dalton Trevisan publicada em 2006.
Essa é a melhor coletânea de contos do Vampiro de Curitiba, em décadas. Impiedosa, cruel, sacana, cheia de narradores sádicos e calhordas. Sem alarde militante ou panfletário, Trevisan denuncia a sociedade necrosada em que vivemos, simplesmente dando voz à gente rebaixada: pedófilos, assaltantes, estupradores, maníacos e outros marginais.

The emotion machine, ensaio científico de Marvin Minsky publicado em 2006.
Minsky, especialista em ciência da cognição, foi um dos fundadores do laboratório de Inteligência Artificial do MIT. Nesse livro ainda inédito no Brasil, o autor reflete sobre nossa mente e as IAs. De modo mais específico, sobre a sofisticada natureza das emoções, afirmando que são uma forma de pensamento capaz de resolver muitos problemas complexos.

Estilo tardio, coletânea de ensaios de Edward W. Said publicada originalmente em 2007. No Brasil saiu em 2009.
A partir do conceito batizado por Adorno de estilo tardio, o pensador palestino-estadunidense disserta sobre as últimas obras de mestres como Beethoven, Jean Genet, Kaváfis, Mozart e outros. Said enxerga nessas obras produzidas à beira do abismo uma reação violenta, por vezes atormentada e contraditória, contra a injustiça da morte. Este livro foi publicado postumamente.

O livro do cemitério, romance de Neil Gaiman com ilustrações de Dave McKean, publicado originalmente em 2008. No Brasil saiu em 2010.
É a história sombria, gótica, fantástica de Ninguém Owens, ou simplesmente Nin, um garoto criado pelos fantasmas que habitam um cemitério após sua família ter sido assassinada. Mirando principalmente o público jovem, o romance homenageia, desde o título, O livro da selva, de Rudyard Kipling.

Luiz Bras

É escritor. Autor de Sozinho no deserto extremo e Paraíso líquido, entre outros.

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