Kátia Casimiro

Ensaio fotográfico de Kátia Casimiro
Foto: Ozias Filho
01/06/2023

Para lá das praias de areia fina e dos canais de águas mornas, das palmeiras e mangais, havia segredos muito bem guardados num equilíbrio profundo entre o homem e a natureza.

Este trecho pertence ao livro A cana de bambu, de Kátia Casimiro, escritora da Guiné-Bissau. O segredo deste equilíbrio, descrito na narrativa, talvez resulte apenas na sabedoria infantil, na forma singular em que as crianças enxergam o mundo à sua volta. Elas, ao contrário dos adultos, possuem a legitimidade, que muitas vezes desaparece quando crescem. Mas elas crescem, e o tempo da infância voa mais rápido do que as páginas de um calendário.

Algo se perde na transição do crescimento, ou o mundo nos obriga a crescer contra a vontade, por força do deus dinheiro e da negação do nosso ócio merecido? Perdemos o encantamento genuíno das histórias infantis, que nem sempre ficam guardadas algures dentro de nós. As dores do crescimento matam, aos poucos, a inocência que um dia existiu, e a resiliência de ser criança para sempre aquieta-se, dia após dia, até ao triste olvidar.

É uma constatação, reconhece a escritora guineense, mas que precisamos quebrar este ciclo viciado. Para ela, o objetivo de sermos melhores pessoas, adultos saudáveis (e não selvagens), passa necessariamente por algo tão óbvio, e que tantas vezes é repetido com a boca cheia de palavras vazias, pura retórica, que é o fato de não deixarmos morrer a criança que existe dentro de nós. “Este pensamento, só faz sentido se deixarmos a criança primeiro nascer, para depois serem melhores adultos.”

A escritora cita um dos pais da nação guineense, Amílcar Cabral, que dizia que a criança era “a flor da nossa luta e o principal motivo do nosso combate”. Só percebeu a profundidade deste conceito anos depois, e constatou que fora uma criança privilegiada, mas que havia muitas outras, a maioria, que não eram. Diz que o livro e a leitura podem ser o brinquedo, ou a brincadeira, possíveis, onde poucas vezes existiram brinquedos e brincadeiras.

“Eu escrevo para que muitas crianças da minha terra, e de outras, com infâncias difíceis, possam acreditar que é possível sonhar”, e ser criança é mesmo isso, manter o sonho vivo. Nesse sentido, para além de continuar a atuar como escritora, tem um objetivo no seu horizonte próximo: o de levar a todos os cantos do seu país natal uma biblioteca itinerante sobre rodas, que chegue ao maior número de crianças. Quer com isso quebrar o ciclo desumano no qual, por força das circunstâncias, ser criança nunca foi uma opção.

 

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

 

Kátia Casimiro
Nasceu na Guiné-Bissau. É autora de várias obras infantojuvenis, bem como participante em diversas coletâneas e antologias dentro da lusofonia. Íris e o jogo das cores, O abutre vaidoso, A cana de bambu são algumas das suas obras infantis com mais destaque. Venceu o Prémio de Literatura Dama de Ferro, na Guiné-Bissau, em 2020.
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

Rascunho