Jorge Vicente

Ensaio fotográfico de Jorge Vicente
Foto: Ozias Filho
01/07/2023

Eu dou um passo, e a pedra, o meu objeto de desejo, de leituras diversas, muda por completo o enredo, a face é outra. Caminho mais um pouco, ora me aproximo, ora afasto-me, mas nunca estive longe dos seus encantos. Contorno a pedra, forço a vista para vê-la com mais clareza, ou retiro os óculos, e mesmo no desfoque, o objeto lança-me âncoras, prende-me ao fundo de um mar desconhecido, ou iça-me às alturas, e mesmo que flutue, o peso que não reside nos pés, encontra-se na mão que expulsa a pedra, por palavras, sobre o papel. Este é o meu objeto, sempre em movimento. Ou serei eu, aquele constante e insatisfeito leitor-poeta e, por isso, o objeto, desconhecendo a minha existência, é que caiu nas malhas da minha sedução?

Dizer com palavras sobre o movimento que nos vai por dentro, em ebulição permanente, e à qual chamamos poesia, é o dizer de um mundo invisível aos olhos distraídos de quem passa correndo por cotidianos, sem tempo para respirar. O poeta respira por elas, inspira por elas, é inspirado por elas; e mesmo sendo por elas, suas palavras, seus movimentos, não lhes chegam aos calcanhares de pressas e prisões. Talvez a palavra não seja bastante, e se perca entre as rotinas da palavra corrente, da palavra líquida que no segundo seguinte perde a sua força de propósitos.

“as coisas valem de si próprias// sem as palavras”, diz o poeta Jorge Vicente, num dos poemas do seu livro Teoria do movimento, mas o certo é que fazemos questão de dizê-las, pois o silêncio, por mais que seja uma resposta ao nosso desassossego, não se contém em si e necessita ganhar voz na linguagem. O poeta continua na sua contradição assertiva quando diz no poema, “e mesmo se palavras existirem,// serão essas as palavras o poema// ou as coisas ou a representação // na caneta do que existe no humano?”.

A velha questão do mito do Ouroboros, sobre conceito da eternidade, representado na figura de uma serpente (ou dragão) que morde a própria cauda. A velha questão do movimento, da constante evolução da vida, da autofecundação, da ressurreição, da criação, da destruição e da renovação. O silêncio se completa na palavra, assim como a palavra inexiste sem o silêncio, num movimento contínuo e sem respostas definitivas.

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

 

Jorge Vicente
Nasceu em 1974, em Lisboa (Portugal), e desde cedo se interessou por poesia. Com mestrado em Ciências Documentais, tem poemas publicados em diversas antologias literárias e revistas. Faz parte da direção editorial da revista online Incomunidade. Tem cinco livros publicados: Ascensão do fogo (2008), Hierofania dos dedos (2009), Teoria do movimento (2014), Noite que abre (2016) e cavalo que passa devagar (2019).
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

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