Elizabeth Bishop e Raul Seixas

Dali saiu um tipo: a cara do Raul Seixas, cantando as músicas de Raul Seixas
Raul Seixas
06/12/2015

17.01.2011
Telefono para Linda Nemer, proprietária da antiga casa de Elizabeth Bishop em Ouro Preto. Clóvis Brigagão me disse que ela está pensando em vender a casa. Não a encontro, mas depois ela me liga. Realmente vai vender a casa. Tinha um contato com o pessoal da Fundação Ford que poderia transformar a residência da poeta americana numa espécie de pousada para bolsistas, possivelmente “escritores residentes”.

Linda é figura fundamental na biografia de Elizabeth, recuperou a propriedade, cuidou dos jardins. Costumava ceder a casa a hóspedes que vinham, por exemplo, para o Fórum de Ouro Preto (que a Guiomar de Grammond organiza). Estive ali várias vezes. Primeiro quando a casa era de Elizabeth. Visitei Elizabeth nos anos 60, quando voltei dos Estados Unidos. Falamos de poesia. Ela com seu português muito precário. De outra feita, quando ela ia dar um curso de creative writing nos EUA, chamou-me no hotel em que estava no Rio e deu-me vários livros de autores americanos, que havia lido e queria me repassar.

Telefono para Linda Nemer, proprietária da antiga casa de Elizabeth Bishop em Ouro Preto. Clóvis Brigagão me disse que ela está pensando em vender a casa.1

23.01.2011
Marta Goes, que fez aquela peça baseada na vida de Elizabeth Bishop (Um porto para Elizabeth), me manda e-mails e depois me telefona. Vai fazer uma matéria para o jornal Valor Econômico e queria conversar sobre Elizabeth. Digo-lhe algumas coisas já narradas em crônicas. Mando-lhe aquela crônica em que narro como Linda presenteou Marina com duas abotoaduras de rubi, que foram de Elizabeth, depois de Marianne Moore e, de novo, de Elizabeth.

Me diz Marta que no dia 6 de fevereiro será o centenário de Elizabeth e a sua peça vai voltar a cartaz. Estou me lembrando que Roberto d’Ávila trouxe Regina Braga e Dráuzio Varela para jantar aqui em casa, quando a peça estava em cartaz. Dráuzio, sempre um gentleman presenteou-me na ocasião com um livro raro. Regina chegou um pouco tarde, por causa da peça.

Gostei da peça, claro. Mas é sempre uma sensação dúbia a gente ver encenadas histórias de gente que conhecemos.

Dei a Marta o endereço do Lloyd Schwartz, lá nos Estados Unidos. Ele é poeta, crítico musical, traduziu poemas meus e é o grande especialista em Elizabeth lá e parece que vai haver uma série de homenagens a ela.

07.02.2011
Ao fazer uma crônica para o Estado de Minas, sobre o centenário de Elizabeth Bishop, me ocorreu essa coisa curiosa: várias pessoas que de uma maneira ou outra se aproximaram dela, também cruzaram o meu caminho. O Emanuel Brasil, que conviveu com ela nos EUA e ajudou-a a fazer uma antologia de poesia brasileira, foi trabalhar comigo na Biblioteca Nacional. O Paulo Henriques Britto, que a traduziu, foi meu aluno na PUC. Carmen Lúcia Oliveira, que fez uma notável biografia de Elizabeth e Lota, eu a conheci nos anos 70 quando fui do Conselho Editorial da Francisco Alves, onde ela trabalhava. Do Conselho, fazia parte também Rubem Braga, o Paulo Rocco estava lá também. Lloyd, que é o grande especialista americano em Elizabeth, acabou meu amigo, hospedou-se lá em casa e traduziu poemas meus. Ainda outro dia mandou-me o poema: On the steproofs of Irã, que traduziu com Rogerio Santiago, foi musicado e apresentado no Lincoln Center pelo maestro egípcio.

06.03.2011
Ainda agora leio as memórias de um amigo de meu irmão Carlos, Leon Zeitel. Ele conheceu Graciliano Ramos, quando este, Inspetor Federal, ia ao Colégio, onde ele, Leon, em 1938, estudava. O diretor do colégio, Ginásio 28 de setembro, dirigido pelo general Liberato Bittencourt, era de alguma forma amigo de Graciliano.

Pois bem, diz o Zeitel: “De um lado Graciliano, fumante convicto, de três maços por dia, declaradamente ateu, bebedor de aguardente, dizedor de palavrões, aguardando a morte do capitalismo, indiferente à Academia. De outro, um General reformado, de características opostas, querendo conquistar a Academia, com o rebuscado de sua linguagem e, paradoxalmente, crítico feroz do fundador da Casa”.

Curioso. Zeitel ressalta que em Linhas tortas, G. Ramos relembra aquele episódio do prêmio que Guimarães Rosa perdeu em 1936. E tem lá uma profecia feita em 1946 por Graciliano, dez anos antes de Rosa publicar Grande sertão: veredas: “Certamente ele fará um romance que não lerei, pois se for começado agora, estará pronto em 1956, quando os meus ossos começarem a se esfacelar”.

09.09.2011
Valéria Martins (agente literária), filha de Justino Martins, me diz na viagem de Maceió para o Rio, que Antonio Houaiss tinha uma irmã cartomante que atendia aqui perto de onde moro, na rua Nascimento Silva. A conversa surgiu quando lhe narrava como eu e Marina apresentamos a cartomante Nadir à Clarice Lispector.

08.10.2011
Interessante: Marcio Borges na mesa redonda comigo lá em Bento Gonçalves (RS), contando estórias do Clube da Esquina: que Milton Nascimento era um dos “seus” 12 irmãos, era o décimo segundo, que passava o dia em sua casa e se escondia debaixo da cama de noite para não ter que ir embora. E a mãe dos Borges o cutucava com vassoura para ele ir para casa.

História narrada por Ademir Bacca numa conversa informal: Estava no Amapá ou Acre, quando de repente vieram uns tipos em procissão cantando ou dizendo alto: “Ele está entre nós! Ele está entre nós”. Ele ouviu aquilo e ficou nessa estranheza. Depois estava noutro lugar, e lá veio aquela turma rezando: “Ele esta entre nós! Ele está entre nós!”. A procissão parou num bar, tinha um caixão entre eles. Puseram o caixão no chão. Dali saiu um tipo: a cara do Raul Seixas, cantando as músicas de Raul Seixas.

“Ele está entre nós.”

Affonso Romano de Sant'Anna

É poeta, cronista e ensaísta. Autor de Que país é este?, entre outros. A coluna Quase diário foi publicada no Rascunho até fevereiro de 2017.

Rascunho