General Figueiredo, Tônia

Lá estava o general Figueiredo sentadinho num banco
31/12/2016

06.11.1997
Acabo de conversar com Paulinho Lima sobre o disco que Tônia Carrero fez gravando 23 poemas meus. Data de lançamento na Travessa, 9 de dezembro. O Glauco Rodrigues fez uma bela capa (desenho do rosto de Tônia), Sábato Magaldi escreveu uma breve apresentação. Norma (segunda esposa do Glauco) comenta que, como se diz na terra dela, o disco está “o requinte do absolutamente”[1]

Com o livro Barroco do quadrado à elipse e a coletânea de crônicas A vida por viver fecho bem o ano.

Em Belo Horizonte, para assinatura no Palácio da Liberdade, projeto de lei novo de incentivo à cultura. Festa nos jardins do Palácio. Elke Maravilha e outro ator fazendo as honras da casa. Lá encontro Sara Dávila, da Escola Guinard, convidando-me para uma visita; Inimá de Paula, mais magro depois do câncer no pulmão; Julinho Varela, Pedro Paulo Cava, Jota Dangelo, Mamelia, Linda, João Etiene, Nelly, Ivan Angelo, Jonas Bloch (com quem viajei de avião). À tarde com Ivan e Elke, fomos ao Canal 15 do Alberico Sousa Cruz entrevistar o Amilcar Martins, secretário de Cultura. Ele tem um orçamento de 12 milhões, enquanto a Secretaria de Cultura do Rio tem 70 milhões. Passei-lhe algumas experiências minhas na FBN.

À noite, jantar no restaurante italiano Bocchetto, com o prefeito Célio Castro e Manuel de Barros e sua esposa (Stela) , Affonso Borges e Adriana. Célio tão tímido, olhando de banda. Manuel aos 80 anos está na glória com sucesso. Falei com Célio sobre experiências do Proler e como ele pode aproveitar isso na Prefeitura. No dia anterior, fui ao lançamento do disco de Wagner Tiso (A ostra e vento). Afonso Borges teve a delicadeza de me homenagear, pedindo ao público que estava no restaurante que me aplaudisse pelo trabalho feito na FBN.

Dá gosto ver o Roberto Drummond no auge do sucesso: Hilda Furacão está sendo filmado, é teatro, está abafando.

BH em minha vida. Saindo de carro do aeroporto, indo à casa do Inimá para comprar/trocar um quadro, fui me lembrando que quando lá morava, sozinho às vezes, pegava o lotação para ir passear nos bairros mais ricos; queria ver algo bonito, sair da periferia onde vivia como estudante. Comer sozinho naquele pobre restaurante italiano, enquanto os colegas de faculdade tinham casa, etc. Me lembrando de como sofria pela falta de oportunidades nos jornais, a vida dura nas pensões e no Banco Comércio Varejista, entre 1958 e 1961.

Hoje chegar ao Rio, ver o mar, a montanha, minha casa, meu corpo nisso tudo. Buscar o nexo entre os dois Affonsos, Juiz de Fora, Belo Horizonte. Sem falar em Los Angeles e outras cidades.

06.11.1997
Homenagem n’O Granbery[2].
Em Juiz de Fora com Jorge Sanglard. Visita ao Cine Central. E eu não cheguei a baleiro do Cinema Central! Fiquei como baleiro do Cine São Mateus. Carreira interrompida, não podia trabalhar aos domingos, pois era protestante. Houve discussão entre meu pai e minha mãe. E não fui trabalhar exato do domingo que era o grande dia.

19.11.1997
Domingo, festa do Dia das Crianças, lá no espaço do Dr. Fritz, num subúrbio carioca. Lá estava o general Figueiredo sentadinho num banco, vestido simplesmente, como um suburbano, com uma jaqueta, sob um auto-falante. Conversamos um pouco, havia muito barulho.

O general Meton — misteriosa figura que me procurou há tempos — havia se acercado com telefonemas e conversas imensas. Ele serviu de intermediário para que eu conseguisse que o Dr. Fritz recebesse Figueiredo. E o general Meton, ali no Dr. Fritz, insistindo em dizer pro ex-presidente que eu era o “maior poeta vivo”. E Figueiredo ouvindo cordialmente.

Cena inimaginável nos anos 1980.

Figueiredo contou que não sentia dores na coluna, só nas pernas, por isso não montava mais a cavalo. Moto contínuo, naquela cerimônia tropicalista, chamaram o general Figueiredo para cortar o bolo para as 300 crianças. Lá foi ele, humildemente. Nada daquele homem do SNI do “prendo e arrebento”.

A maior parte do tempo ele ficava ali no banco sozinho, solitário. Raramente vinha uma velhinha trazida pelo general Meton cumprimentá-lo[3].

Nesse domingo, terminamos a gravação de meus poemas com a Tônia Carreiro, produção de Paulinho Lima. Deve sair no Natal. Bela experiência. Outra noite, Tônia veio jantar aqui sozinha. Trouxe caviar e champanhe. Tomou um pilequinho, falou de sua vida erótica e amorosa.

NOTAS

[1] A coluna do Swann publica (11.12.97) uma expressiva foto na qual Tônia e eu aparecemos felizes sorrindo.
[2] Ver crônica Parece que foi ontem, na qual também falo de o Granbery, onde estudei.
[3] Ver crônicas Um outro Brasil (O Globo, 06.05.97) e Vendo o Dr.Fritz operar (O Globo, 13.05.97).

 

Affonso Romano de Sant'Anna

É poeta, cronista e ensaísta. Autor de Que país é este?, entre outros. A coluna Quase diário foi publicada no Rascunho até fevereiro de 2017.

Rascunho