Mistério e encantamento

“A casa do Morro Branco”, de Rachel de Queiroz, é uma novela simples e bela
Rachel de Queiroz, autora de “A casa do Morro Branco e outras histórias”
01/06/2025

Rachel de Queiroz está de volta — aquela do destemido O quinze, escrito no frescor dos 19 anos de idade, com ares de rebelde e revolucionária, mais conhecida como “Mamãe Ceará”, até porque sempre manteve uma relação de amizade com seus afetuosos leitores. Sim, ela mesma, com A casa do Morro Branco e outras histórias, com sombras de mistério no encantamento de textos leves com jeito de crônicas, especialidade que desenvolveu desde os tempos de O Cruzeiro, onde publicava uma crônica semanal para deleite de leitores viciados neste gênero sedutor e apaixonante.

A casa do Morro Branco conta a história de Chico Arueté — um pernambucano que arribou das terras de Pernambuco acusado de participar de refregas libertárias do Estado — e de sua simplória família. Coisas de antanho. Uma família inquieta e muito mais do que isso, fantasmagórica, que existiu por causa do som de uma flauta senão mágica, mais uma vez, fantasmagórica, isso mesmo, só para repetir a palavra — repetir, repetir e repetir — para buscar o eco desta palavra que circula nas páginas desta tão curta novela cercada de contos. Novela mesmo, tem certeza? Novela, não, folhetim, cercado de contos por todos os lados e mais uma novela chamada Cremilda e o fantasma, folhetim em quatro capítulos, nova grandeza desta escritora celebrada desde a estreia pelo estilo saboroso, como diziam os antigos, mesmo se tratando de dramas e dores, como em instantes cruciais da narrativa.

Rachel sempre provocou aplausos de seus leitores e editores. Tanto é assim que na Nota da Editora está registrado : “Publicada em 1999 pela Siciliano e em 2008 por esta casa, A casa do Morro Branco e outras estórias retorna orgulhosamente ao nosso catálogo”.

Mas, afinal, o que vem a ser mesmo esse estilo saboroso? Vamos ler Rachel nesta dita novela:

E, circunstância curiosa que deu mais assunto à boca do povo: aquela flauta tão falada, seu Chico Arueté morrera com ela na mão, da sua mão rolara para o chão do quarto e lá estava ao pé da cama toda preta, salpicada de prata, que era ver uma cobra.

Ainda conforme José Nêumanne Pinto, citado por Heloísa Teixeira na orelha do livro: “Rachel descreve a vida sem disfarces, sem dourar a pílula, com a frieza de um assassino profissional… A prosa curta da romancista é escorreita e crua, sem subterfúgios nem tergiversações, adjetivos são dispensados sem cerimônia, prevalecendo a força dos substantivos comuns, enfileirados com argúcia e sensibilidade. Tudo isso com a leveza de uma boa conversa regada a cafezinho, como se diz no interior deste Brasil”.

Com certeza, então, um livro simples e belo, que sempre admirei. Isso mesmo, sempre admirei as novelas curtas, de estilo concentrado, de angústias cerradas, feito se vê em A morte de Ivan Ilitch, de Tolstói, Um coração simples, de Flaubert, Coração das trevas, de Conrad, porque nelas estão concentrados todos os temas, todas as dores do mundo, todos os sacrifícios do ser humano. Vem daí, portanto, a minha admiração por esta novela de Rachel de Queiroz. A cearense que tanto amamos.

A casa do Morro Branco e outras histórias
Rachel de Queiroz
José Olympio
112 págs.
Raimundo Carrero

É escritor. Autor, entre outros, de Seria uma noite sombria Minha alma é irmã de Deus. 

Rascunho