Meu mapa de bandas

A batalha mental sanguinária até chegar ao top 20 das melhores bandas de rock da história
The Beach Boys está no topo da lista
01/11/2023

Quando Rogério Pereira, o destemido editor do Rascunho, me convidou pra escrever no jornal, eu lhe perguntei se podia escrever também sobre rock. Ele me respondeu que só se fosse de maneira muito espaçada, pois o jornal era reservado exclusivamente à literatura. Eu lhe prometi que escreveria sobre rock, no máximo, uma coluna por ano e que iria queimá-la logo de cara, porque, naquela época eu estava dando um curso de pós-graduação na Universidade de Coimbra, e ficara muito impressionado com a cena psychobilly da cidade, totalmente inesperada para uma pequena cidade do interior de Portugal.

Desde então, nunca mais voltei ao rock nas páginas do Rascunho. Isso significa que já tenho acumulado o crédito de vários anos, que me garantem mais uma breve incursão no tema extraliterário.

De início, devo alertar que a minha credencial para escrever sobre rock é só mesmo a quilometragem do ouvido e o bom senso de conservar quase todos os discos que comprei ao longo da vida. Além disso, entre os finais de 70 e meados dos 80, participei de uma banda, os Dum-Dum Boys, que, de início, não tinha uma formação muito fixa; qualquer amigo que quisesse podia tocar nela; depois foi ficando mais séria, ensaiando mais, e eu achei melhor cair fora. O problema em participar de uma banda para mim era um só: o tempo de ensaiar acabava roubando o tempo de ouvir rock de bandas que eu tinha a lucidez de perceber que eram muito melhores do que eu ou meus amigos. Da mesma maneira, antes de se meter a escrever literatura, a pessoa deve ter o bom senso de se perguntar: o meu tempo de dedicação à escrita vale a literatura que vou deixar de ler? No meu caso, a resposta sempre foi um decidido não, para ambas as práticas.

Do meu currículo roqueiro, ainda consta que fui DJ do programa Túmulo do Samba, da Rádio Muda, a legendária rádio pirata da Unicamp, no final dos anos 90. O Túmulo ia ao ar às sextas-feiras à noite, e eu tocava sobretudo stoner rock para os chapados do luar e da neblina. Nos anos 2000, também fui apresentador ocasional do programa Valvulados, da TV Unicamp, ao lado do E.T., baixista do Muzzarelas (sic), a melhor banda punk de Campinas.

Afora essas experiências, digamos, secundárias, o que me interessava mesmo era ser comprador e ouvinte de discos de rock. É também o que me motiva a escrever aqui. Peneirar e comprar discos, no Brasil e no exterior, sempre foi pura diversão para mim, e, sem arrogância, posso me considerar um profissional da prática. No passado, como se tratava de comprar discos importados, fazia as minhas compras sobretudo por ocasião das minhas viagens de pesquisa ao exterior. Agora, já não é preciso sair de casa para isso. Basta ter internet para acessar os melhores catálogos do mundo. Os meus dois sites favoritos para compra na internet são a Imusic dinamarquesa (imusic.br.com) e a americana Discogs (discogs.com), onde ainda é possível comprar vinis de 180g ou 200g por preços razoáveis, ao contrário do que acontece em sites do mainstream onde quase só se vende pop-rock ralo pelo preço do cocô do Elvis.

Ter o vinil comigo não é o meu único prazer de colecionador. O maior está em descobrir pequenas grandes bandas desconhecidas surgidas em qualquer buraco, e depois em catalogá-las. Espetá-las num quadradinho como borboletas raras. Não basta possuir, é preciso arquivar, descrever, pesquisar, e então listar e eventualmente partilhar, como estou fazendo aqui, pois não quero ser egoísta.

Até os anos 80, catalogava tudo a mão em fichas retangulares, com categorias descritivas que eu inventava; depois, passei a fazê-lo no computador, com programas que já traziam rubricas para a catalogação, como a de artistas, títulos, álbuns, gravadora, ano de lançamento, gênero, formato, polegadas etc. O programa que eu uso desde aquela época é o Orange Catalog, que não sei se existe ainda, mas a minha versão é vintage, e tem de ser assim, pois o notebook que uso exclusivamente para isso é um Dell Latitude D410, tão velho que, se for atualizado, morre no ato, engasgado com os dados.

Não são muitos os subgêneros do rock que não tolero, mas entre eles estão britpop, indie, college, country, neopunk, grunge, emo, arena, metal poseur etc. Rock e xororô não dá. Já entre os meus favoritos estão rockabilly, surf, garage, acid, psicodélico, krautrock, hard rock setentão, pós-punk, sludge, stoner, doom, drone, por aí. Não estou tecendo teorias a respeito, estou apenas falando do meu gosto. Também não é nenhum gosto maravilhoso, é só o meu mesmo.

Isto esclarecido, resolvi compartilhar o meu top 20 de melhores bandas. Na lista, além de bandas que amo, há algumas que não ligo, mas incluo, porque foram tão influentes que se tornaram incontornáveis, como é o caso exemplar de Beatles e Stones.

O meu mapa de bandas é simples, mas tive todo tipo de batalha mental sanguinária até chegar ao top 20. E claro que ainda posso mudar uma coisa ou outra, mas não dá pra mudar muito. Além disso, como nunca desisto do presente, relaciono 10 bandas em atividade que considero excelentes. Se, antes, o rock catalisava a criação jovem, hoje é quase um gênero da terceira idade, um pouco como a literatura. Mas sempre há exceção e, de vez em quando, surge alguém capaz de rolar a pedra montanha acima.

Seguem as listas, por ordem estritamente cronológica:

Top 20 (melhores bandas)
Nome                                             Cidade de origem     País      Primeiro álbum

1. The Beach Boys                        Hawthorne (CA)    US   1962
2. The Beatles                               Liverpool   UK    1963
3. The Rolling Stones                    Londres UK 1964
4. The Who                                    Londres UK 1965
5. The 13th Floor Elevators           Austin (TX) US 1966
6. Love                                          Los Angeles (CA) US 1966
7. The Velvet Underground           Nova York (NY) US 1967
8. The Doors                                 Los Angeles (CA) US 1967
9. The Jimi Hendrix Experience    Seattle (WA)/Londres US/UK 1967*
10. The Grateful Dead                  San Francisco (CA) US 1967
11. Pink Floyd                               Londres UK 1967
12. Les Rallizes Dénudés             Kyoto JP 1967**
13. Creedence Clearwater           El Cerrito (CA) US 1968
14. Led Zeppelin                          Londres UK 1969
15. MC5                                       Lincoln Park (MI) US 1969
16. The Stooges                          Ann Arbor (MI) US 1969
17. Black Sabbath                       Birmingham UK 1970
18. Guru Guru                             Heidelberg AL 1970
19. AC/DC                                   Sidney AU 1975
20. The Ramones                        Nova York (NY) US 1976

10 grandes bandas em atividade

1. Saint Vitus                 Los Angeles (CA) US 1984
2. Melvins                      Montesano (WA) US 1987
3. Obsessed                  Potomac (MA) US 1990
4. Eyehategod                New Orleans (LA) US 1990
5. Monster Magnet          Red Bank (NJ) US 1991
6. Sleep                           San Jose (CA) US 1991
7. Fu Manchu                   Orange County (CA) US 1994
8. Acid Mothers Temple    Osaka JP 1997
9. Church Of Misery         Tóquio JP 1997
10. Sunn O)))                   Seattle (WA) US 2000

*Seattle se refere, de fato, à cidade natal de Hendrix, já a banda surgiu em Londres, mas Hendrix era tudo nela e não faz sentido pensá-la como londrina.

**Os Rallizes não têm discos lançados na época. 1967 é a data de suas primeiras gravações de shows e estúdios apenas lançados recentemente.

Alcir Pécora

Crítico literário, é autor de Teatro do Sacramento (1994); Máquina de gêneros (2001) e Rudimentos da vida coletiva (2002). É organizador de A arte de morrer (1994), Escritos históricos e políticos do Padre Vieira (1995), Sermões I e II (2000-2001); As excelências do governador (2002); Lembranças do presente (2006); Índice das coisas mais notáveis (2010); Por que ler Hilda Hilst (2010). Editou as obras completas de Hilda Hilst (2001-2008), Roberto Piva (2005-2008) e Plínio Marcos (2017).

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