The chair

Nova série da Netflix discute dilemas contemporâneos a respeito do ensino de literatura e escancara diferenças entre gerações de alunos e professores
01/10/2021

Na série The chair, recentemente lançada pela Netflix, acompanhamos a vida de Ji-Yoon Kim (interpretada pela ótima Sandra Oh), uma professora universitária de origem coreana, que é promovida à cadeira de chefe de Departamento de Inglês e passa a ser a primeira mulher a ocupá-la. Dizendo assim pode parecer uma grande conquista, e de certo modo é, mas o que Ji-Yoon recebe parece mais uma bomba prestes a explodir do que uma promoção. O Departamento enfrenta uma crise profunda, em parte pelo desprestígio que a própria literatura enfrenta, em parte pelo conservadorismo na academia, que em geral ainda resiste a acompanhar as questões contemporâneas.

A produção, embora seja apenas mediana, é muito simpática. São seis episódios curtos, de cerca de 30 minutos, que discutem alguns temas contemporâneos muito importantes, como os desafios no ensino de literatura no mundo de hoje. Vale como passatempo e também para incentivar um debate mais aprofundado sobre as questões que levanta.

Criada por duas mulheres, Amanda Peet e Annie Julia Wyman, a série acerta na escolha da protagonista, uma professora de 46 anos que se vê dividida em atender as exigências da nova geração, com a qual se identifica, e também administrar as dificuldades dos professores da velha guarda. Ji-Yoon quer equilibrar pratos e, embora seja progressista e uma entusiasta das mudanças, também se sente insegura diante dos desafios do cargo e afetivamente ligada aos demais professores, com quem convive há anos.

A professora sensação da vez é Yaz McKay (Nana Mensah), uma mulher jovem e negra muito popular entre os alunos, que com novos recursos didáticos e novas posturas políticas está conseguindo o feito de tornar a leitura de Melville algo sinceramente interessante para os jovens, que costumam ter dificuldades com os clássicos. Enquanto isso, o professor Elliot Rentz (Bob Balaban) quase personifica o estereótipo de velho homem branco ressentido com as transformações contemporâneas, embora seja retratado de forma humanizada. O único personagem que é de fato ridicularizado pela série é o professor McHale (Ron Crawford), um professor senil que dorme onde encosta e parece alheio a tudo que acontece. Entre a velha guarda, no entanto, está uma das personagens mais interessantes da série, a professora Joan Hambling (Holland Taylor), que dá aulas sobre Chaucer. Ela é vívida, carismática e também levanta questões importantes sobre sexismo no ambiente acadêmico.

Ji-Yoon tenta ser diplomática, unindo disciplinas com poucos inscritos, a de professores mais velhos, com disciplinas populares, como a de Yaz. Mas as mudanças que a universidade precisa encarar teriam que ser muito mais profundas, e o reitor não parece disposto a enfrentá-las. Ao contrário, para a palestra inaugural, por exemplo, enquanto Ji-Yoon quer a professora Yaz, acaba sendo constrangida a concedê-la ao ator David Duchovny, interpretando a si mesmo. Duchovny é formado em Literatura Inglesa na Universidade de Princeton em 1982 e tem mestrado também em Literatura Inglesa na Universidade de Yale. Ele tem o apelo e os predicados, mas está afastado da vida acadêmica há décadas, não acompanhou as transformações importantes, teóricas e práticas. É interessante que Duchovny tenha aceitado fazer esse papel que, em alguma medida, ironiza a si mesmo, mas sem dúvida enriquece a discussão que The chair tenta propor.

Os estudantes que chegam às universidades hoje, em sua maioria, têm expectativas diferentes para o ensino de literatura. Questões como racismo e machismo, felizmente, passaram a ser abordadas de maneira mais crítica por uma pressão que, podemos dizer, vem de baixo para cima na hierarquia tradicional. Mas a série também problematiza a visão desses estudantes quando um dos professores mais queridos e empáticos, Bill Dobson (Jay Duplass), é perseguido porque faz uma saudação nazista em sala de aula num contexto crítico, quando está abordando o tema, o que pode ser ingênuo, mas com certeza não é uma apologia ao nazifascismo. Alguns estudantes filmam e o vídeo viraliza, esvaziando o contexto, colocando professor e universidade como alvo de linchamentos.

É óbvio que as mudanças que essa universidade precisa deveriam ser estruturais, mas é mais fácil escolher um bode expiatório para purgar os pecados e demonstrar uma imagem progressista que não corresponde à prática. Os estudantes então se dividem entre os que apoiam Bill e os que pedem a sua crucificação, dando início a um movimento que é muito comum nos nossos dias.

No meio desses debates profissionais que estão ligados ao zeitgeist, acompanhamos um pouco a vida pessoal das personagens, sobretudo de Ji-Yoon e Bill, que são grandes amigos e fazem uma espécie de par romântico por muito tempo platônico. Ji-Yoon adotou uma filha, Ju-Hee (Everly Carganilla), que tem origem mexicana e com quem tem dificuldade de convivência. Ela a cria praticamente sozinha, com o apoio ocasional do avô e de Bill, então The chair também toca de leve nos desafios adicionais que as mulheres têm em conciliar o trabalho e a maternidade.

É uma série interessante para quem ensina e para quem estuda literatura, para quem se interessa pelo debate sobre as mudanças que precisam acontecer e ainda despertam nas instituições mais tradicionais tanta resistência. De outro lado, não trata os mais jovens apenas como mocinhos politizados contra os bandidos conservadores. É difícil não se solidarizar com Bill, e por mais intolerantes que tenhamos que ser com qualquer piada e gesto que acene a regimes totalitários, fica evidente que, no caso, tudo não passou de um mal entendido. Ele se torna apenas o alvo da vez.

The chair não tem nada de extraordinária, mas diverte e faz pensar, o que é raro numa produção original da Netflix.

Fabiane Secches

É psicanalista, crítica literária e doutoranda em Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade de São Paulo. Autora de Elena Ferrante, uma longa experiência de ausência (2020).

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