Vou negar a descoberta dos telhados a um gato? Não nego. Não vou roubar a chance dessa experiência inédita às minhas fêmeas, até então só escoladas nas brenhas do canteirinho de hibiscos de um apartamento. Agora é outra vida e a noite se lhes abre desde a janela de casa, desdobrando-se em planos de uma perspectiva infinita de errância entre cumes e vãos, parapeitos, telhas e caixas d’água, árvores e estrelas.
Não lhes interdito essa primeira vez autenticamente felina, e lá vão elas, num salto para fora do que lhes é conhecido, como se um chamado de muito longe e na mola dos músculos as panterizasse novamente. Pois que experimentem essa vida nova por suas próprias patas, já que parece ter ficado tão insignificante o medo. Que se panterizem telhado afora.
Elas vão, atiçam os cães da vizinhança, atraem os gatos de outras casas, depois voltam. Voltavam. Agora já não é certo que voltem. Uma delas esteve desaparecida por cinco dias e ao longo desses cinco dias meus olhos buscaram sombras de gato por toda parte. Como é penosa a espera no meio da noite, quando chove, mais ainda se a chuva engrossa. E como roga em cÃrculos essa espera, até me fazer desconfiar que a volta da gata, prosaicamente, pela porta de entrada, no quinto dia, teve lá seus bastidores magnéticos.
Existem ladrões de gatos, que eu sei, doenças da rua, meninos perversos e um sem-número de outros perigos assombrando minha fé na liberdade das gatas. Também existe, que eu vi, o verde lúcido de uns olhos acordados, existe um júbilo de coxas, esse ir com o vento como nunca antes, essa clara alegria do animal sem grades. A espera também aguça os sentidos, aprofunda nossa atenção. E existe a volta, embora incerta. Essa alegria espantosa da volta. Saber de repente que existe, também no bicho, a vontade de voltar.