O escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe foi também tradutor e, mais, deixou-nos uma série de reflexões sobre o ofício. Lemos alguns desses pensamentos — reunidos sob o título de Três trechos sobre tradução — na antologia bilíngue Clássicos da teoria da tradução – volume 1 – alemão-português, organizada pelo professor Werner Heidermann e publicada pelo Núcleo de Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina. A tradução dos três trechos é de Rosvitha Friesen Blume.
Como poeta, Goethe exibia especial interesse pela tradução do texto em versos. Mas, em sua opinião, a tradução de poesia nem sempre deveria ser versificada. Ponderava que, se a versão visava a leitores jovens e iniciantes, melhor seria trasladar versos em prosa, pois esta conseguiria mais facilmente retirar o suprassumo do texto poético: “verdadeiramente profundo e eficaz, realmente formador e promovedor é o que resta do poeta quando este é traduzido em prosa. Permanece então o conteúdo puro e perfeito”.
Para reforçar seu argumento, o poeta alemão procura sobrevalorizar o conteúdo — em tese, mais traduzível, quando bem identificado — em detrimento da apresentação: “uma forma deslumbrante frequentemente sabe simular o conteúdo quando ele inexiste e, quando está presente, o encobre”.
Goethe mostra-se especialmente interessado na tradução como vetor didático e de divulgação de textos, conhecimentos e doutrinas. Para tanto, advoga que a versão deveria tender à simplicidade, despindo-se de afetação e sofisticação desnecessárias. Exemplifica que a tradução da Bíblia por Lutero soube transmitir com perfeição, para o alemão, as cores poéticas do original, preservando também seus aspectos histórico, impositivo e formador — e isso sem que tivesse procurado ater-se, em minúcias, às peculiaridades da matriz. Resume assim seu argumento, traçando uma linha entre a versão simples e a erudita: “Para a multidão, sobre a qual deve exercer influência, uma tradução singela é sempre a melhor. As traduções críticas que rivalizam com o original só servem, na verdade, para o entretenimento dos estudiosos”.
No tocante às estratégias gerais de tradução, Goethe considerava haver duas vertentes principais. A primeira delas seria domesticadora, buscando trazer o autor estrangeiro para o meio linguístico-cultural de chegada, “de tal maneira que possamos considerá-lo nosso”.
A segunda — que Goethe denomina “parodística, no mais puro sentido da palavra” — tende a trabalhar em sentido contrário, ou seja, levar o leitor à esfera do estrangeiro, na qual deverá observar “suas condições, sua maneira de falar, suas particularidades”. Trata-se de um processo de apropriação do “sentido desconhecido” para “constituí-lo com sentido próprio”.
Ao comentar o trabalho do poeta e tradutor alemão Christoph Martin Wieland, Goethe deixou claro sua predileção: “Nosso amigo, que também aqui procurou o meio termo, esmerou-se em combinar as duas [estratégias de tradução]; porém, como homem de sensibilidade e bom gosto, preferiu, em casos de dúvida, a primeira”.
Mas Goethe ainda aponta uma terceira vertente, a qual seria a mais sofisticada, procurando “tornar a tradução idêntica ao original, não de modo que um deva vigorar ao invés do outro, mas no lugar do outro”. Estratégia que lembraria à primeira vista o método utópico de Pierre Menard, mas que o poeta alemão traz para o plano real, associando-a ao poeta e tradutor alemão Johann Heinrich Voss, seu contemporâneo.
Tratar-se-ia de alternativa na qual o tradutor adere tenazmente ao original, descolando-se de sua própria língua e gerando texto híbrido e de assimilação lenta, que legaria à língua de chegada uma nova versatilidade e uma série de novos instrumentos. Tradução de sabor ácido, mas com efeito renovador.