🔓 Em adaptação, clássico “A revolução dos bichos” se passa no Brasil

Destinado ao público infantil, história de animais que se rebelam contra os humanos em uma fazenda tem conexões com momento político atual do país
Henrique Rodrigues, autor da adaptação de “A revolução dos bichos”, de George Orwell
29/11/2021

O clássico A revolução dos bichos, de George Orwell, ganhou uma versão em que a história dos animais que se rebelam em uma fazenda se passa no Brasil, mais precisamente em Brasília, escrita pelo carioca Henrique Rodrigues, colaborador do Rascunho. A história se constrói, tal qual em Orwell, ao redor de um grupo de animais que, sentindo-se explorados, expulsam os humanos da fazenda onde moram, em busca de uma vida mais digna.

Ao assumirem controle sobre o lugar, os animais estabelecem novas regras de convivência, expressas por meio de sete mandamentos que devem nortear os dias futuros. Conforme o tempo passa, entretanto, a prevalência de um grupo sobre os demais ganha novos contornos, ameaçando os ideais de igualdade e liberdade da Revolução dos Bichos em sua origem.

Com ilustrações em cor e uma linguagem adaptada ao público juvenil, a versão de Rodrigues, que é autor de 17 livros, se desenrola em 11 capítulos. Já no primeiro deles, vemos um porco idoso chamado Major realizar um discurso em que destaca a situação geral dos animais.

Menciona o fato de receberem pouca comida, trabalharem muito, forçosamente, e de ainda serem sacrificados ao fim da vida. Ao que conclui: nenhum animal é verdadeiramente livre no Brasil. Como afirma, os animais fornecem o alimento humano e ainda assim são escravizados pelo homem, sem o qual poderiam possuir o que produzissem, inclusive plantando nos solos férteis do Brasil. Dessa forma, conseguiriam alcançar liberdade e prosperidade por si próprios, conclui.

Tal discurso comovente incita os animais a, nos meses seguintes, prepararem a chamada Rebelião. Até que, em certa ocasião, quando o proprietário da fazenda e seus trabalhadores se esquecem de alimentar os animais, surge um motim, e os humanos são expulsos da Fazenda Solar a chifradas, coices e mordidas.

Agora no comando, os animais, triunfantes, escrevem o conjunto de leis-base do novo sistema, fundam a Fazenda dos Bichos e passam a ter uma rotina mais calma e leve, próspera e feliz. Pouco a pouco, porém, por terem sido os líderes da revolução, os porcos começam a receber alguns privilégios e a travar disputas internas. Certo dia, diante de um desacordo entre os porcos regentes, Napoleão e Bola de Neve, o primeiro expulsa o segundo da propriedade ao utilizar, para ameaçá-lo, cachorros treinados.

Na sequência desse ato, o ambiente de convivência se transforma ainda mais drasticamente: os mandamentos começam a ser alterados, sem que a escolha seja coletiva, e apenas de forma a favorecer os porcos do alto comando da fazenda. Também o regime de trabalho dos animais se modifica, e eles voltam a viver sob condições muito parecidas com aquelas em que se encontravam sob controle dos humanos.

O leitor acompanha, no decorrer dos capítulos finais, a escalada de repressão e autoritarismo na Fazenda dos Bichos, com os animais cada vez mais sob o clima de censura e repressão, enquanto os porcos enriquecem e se beneficiam de forma crescente, em farta oposição à situação da maioria. Há também o fato de alguns companheiros serem punidos ou desaparecerem sem explicações.

Assim, de maneira astuta, e no ensejo de Orwell, Henrique Rodrigues mostra os elementos de desinformação e violência que atravessam regimes autoritários, muitas vezes implementados e mantidos sob um discurso de liberdade e mudança.

Manipulados por Napoleão e o fiel escudeiro Gogó, os animais perdem seus direitos continuamente, enquanto os porcos ganham privilégios e mantêm seus interesses em dia, apoiados sobretudo pelas ovelhas, que reiteradamente chamam Napoleão de “mito”.

Em infeliz coincidência com exemplos reais, mesmo em governos ditos democráticos, o livro aborda importantes debates do presente, servindo de esteio para o pensamento crítico e compondo um alerta sobre questões relevantes da vida em sociedade.

A revolução dos bichos
Henrique Rodrigues
Ilustrações: Adriana Cataldo
Oficina Raquel
80 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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