Existe uma linha de pesquisa teĂłrica chamada crĂtica genĂ©tica, que tenta compreender uma obra literária no contexto do seu surgimento. Nos anos de vida acadĂŞmica, bocejei nessa parte. Conheci pessoas que pesquisavam bastante sobre a área e eram relativamente felizes – como Ă© relativa toda a felicidade, vale dizer. Mas aposto que no mundo real muita gente acredita que crĂtica genĂ©tica Ă© apenas uma outra forma para chamar alguĂ©m de feio.
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De todo modo, revisando meus arquivos em versões anteriores do Word e de mim mesmo, encontrei rastros abandonados, sobras do que não chegou a ser algo, tentativas brilhantemente malogradas de criação de textos literários. Jovem metralhadora de escrita ruim, em busca de um estilo e um lugar ao sol na cabeça, quando todos tinham direito ao blog próprio, teclava como se não houvesse amanhã – por isso não dá para olhar agora como se não tivesse havido ontem.
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Hoje não, mas já temi o tempo. Morria de medo quando, na infância, ouvia no programa de rádio AM o locutor Alberto Brizola dizendo “Ontem já era, hoje é o dia e amanhã poderá não mais chegar”. Imaginava uma bomba atômica ou onda gigante detonando tudo. Só depois descobri: o que está arrasando com tudo é o presidente e a pandemia.
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O Carnaval Ă© a maior festa do mundo, cancelado neste ano por conta do coronavĂrus. Cancelar e viralizar sĂŁo a coqueluche do momento, no mundo real e digital. Esperemos que em ambos acabem o quanto antes.
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A grande felicidade desses dias cancelados foi ver o escritor baiano Itamar Vieira Junior falando no programa Roda Viva. O romance Torto arado Ă© a grande sensação literária do momento, e com razĂŁo. Diferentemente de tantos fenĂ´menos literários criados em reuniões de marketing que logo se revelam fogo de palha, Itamar tem uma postura genuĂna da literatura popular com qualidade e potĂŞncia. Algo que nĂŁo se vĂŞ desde um Jorge Amado ou JoĂŁo Ubaldo. Viva a Bahia!
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Fala-se uma coisa, escuta-se outra. Especialmente com essa tal Alexa. Já avisei ao autor, que Ă© meu camarada, mas nĂŁo pagou merchan para esta crĂ´nica, que nĂŁo existe versĂŁo proibida do seu livro chamada “TĂ´ Tarado”. Assim como outro dia falei o tĂtulo Um defeito de cor, romance da Ana Maria Gonçalves, e a pessoa entendeu “Um defeito de corno”. Como se diz no Facebook: quem nunca?
Imagino que deva acontecer com atendentes de livrarias pouco preparados, como aquele caso clássico de quando colocaram RaĂzes do Brasil no setor de botânica.
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Listaria aqui mais uma meia dĂşzia desses equĂvocos, mas vou guardar para outra crĂ´nica – ou papo de boteco presencial, assim que for possĂvel. NĂŁo se enganem, sĂŁo esses os principais assuntos sobre os quais escritores conversam quando se reĂşnem.
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Encontro exercĂcios de escrita, que nunca viraram textos, e mostro a seguir um deles. Claro que, se eu o tiver criando agora, ninguĂ©m saberá a diferença. Esse Ă© o barato da crĂ´nica, ser datada com pitada de tempero atemporal: nasce para afundar, mas pode ser flutuante. Como o submarino ou o casamento, já diriam alguns.
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Como prometido, vai o trecho encontrado num canto escondido do disco rĂgido. (Se o disco Ă© redondo, nĂŁo tem canto, mas nem quero entrar nessa questĂŁo…) Certamente faria parte de um livro que poderia ser chamar “TĂ´ Tarado”. Felizmente o tempo nos peneira dessas bobagens:
“entretudo, te sexo sem mais no que. eras garanhosa, toda de repente. e fui te lendo, ao léu, te lambo lembrando. toda não-se, tu. eu te falo, não me falhes. na pegada forte, olhar permeado de dislexias: piscava todas. fui murmuroso, te fiz dormir fetal com os acalantos, a base dos lendários contos de foda. ah, florálias frondosas, meus ais. revirávamos rasgantes, fluviais, sob o jugo extático das meias-luzes, tu-lasciva mexendo e remexendo no meu queijo. papa-fina, te papava e apalpava nas pupunhas. eras aros e eu era eros. queimas como quem com calma come a cama a caminho de camus. e então eu te ligava o meu atari só para brincar de come-come.”