(21/11/20)
Lembro que havia um garoto, nos tempos do colĂ©gio, que se gabava de ler dicionários página por página. Tinha fama de maluco, mas nĂŁo seria o Ăşnico. AlguĂ©m mais já deve ter experimentado, se nĂŁo uma leitura página por página, uma passegiata, um desvio da rota do estudo, um recuo ao nĂvel da simples curiosidade em torno das palavras que avizinham a procurada.
O menino do colégio, que era de fato meio doido, a leitura dos dicionários sendo apenas uma entre muitas de suas esquisitices, eu me lembrei dele outro dia quando buscava uma palavra e topei com outra no meio do caminho. Tebaida. Fazia tanto tempo que não via essa palavra que foi como se ela soasse nova para mim, tão clara em sua abertura vocálica como o Saara ao meio-dia, tão ancestralmente feminina.
SolidĂŁo profunda, desĂ©rtica, de alguĂ©m que resta numa cidade fantasma, perdendo o prĂ©stimo da palavra, ganhando ares de invisĂvel. Podia ser uma mulher, Tebaida, imiscuĂda numa multidĂŁo sem se dar conta de outros corações prĂłximos e igualmente antigos. Tebaida, uma mulher de olhos cegos, mais que sozinha, sozinha como uma cidade extinta, lavada pelo sol, distante no tempo, quase o nome de uma lenda, que sĂł se faz visĂvel para quem vive no deserto ou alguma vez já lá esteve.
Há o tear ao lado dela, o teatro, a tecedura, a tecla, a tectônica, mas tebaida está só no meio de todas essas palavras producentes, não há o que a distraia ou a socorra do seu ermo, podem levá-la para uma volta ao mundo e ela levará aonde for sua solitude. Quem a encontra sem procurar por ela, assim, no meio do caminho, talvez se esqueça de cumprir a outra metade da jornada e por aà fique, na vasteza clara dessa palavra, saboreando seu sal. Tebaida. Face nua da terra desabrigada. Qual era a palavra que eu buscava antes dessa paragem, eu já não sei.