Pode alguém ainda hoje sofrer da angústia da página em branco? Isso de não saber o que deitar no papel ou de não saber como? Se os assuntos estão por aà borbotando, cada vez mais loucos, mais inacreditáveis, sucedendo-se em disparos, provocando mais a angústia de um indistinto balaio transbordante de absurdos do que uma falta de tema ou desajuste de tom.
Em estado de guerra, escreve-se como se pode. A urgĂŞncia do cronista reflete a nossa, mais carnal do que filosĂłfica, de nĂŁo deixar as coisas para amanhĂŁ. Mas as nossas angĂşstias vĂŞm como flor de excessos, extravasamentos, nĂŁo exatamente de uma página em branco. E que belo seria alguĂ©m sofrendo de um bloqueio vizinho do pasmo, mas sem traumas, assim, sem deixar rastro nem fazer a terra gritar por isso…
NĂŁo custa invocar nesta janela de sábado. Apareça, angĂşstia da página em branco! Tire do nosso poder as palavras, desbote nosso jeito de dizer e leve embora todo esse sangue acusatĂłrio que as notĂcias espalham como gritos subindo do chĂŁo dos caminhos de Caim. Suma tambĂ©m com isto: nossas pobres metáforas. Passem, notĂcias, reponham-se, mas nĂŁo venham ser despejadas nas nossas cabeças, nĂŁo nos venham entrar pelos olhos. Nos deixem por hoje.
Apareça, vazio! Ficaremos um pouco aqui, assim, paralisados, sem expressão que nos socorra. Não por nada. Só mesmo para descansar das angústias hediondas. Para sentir um pouco, só um pouco, a inocência desse suor de aluno aplicado sobre o papel, num dificultoso embate de fantasia, como se ali de fato hesitasse o mundo.