EntĂŁo fui navegar pelo mundo para testar a recepção de um trabalho sobre a histĂłria da lĂngua portuguesa para crianças — de todas as idades. A ideia era — e ainda Ă© — levar este conhecimento para crianças que vivem no exterior, mas que tĂŞm pai ou mĂŁe falantes do portuguĂŞs. Receberam, portanto, a lĂngua como “herança”. NĂŁo Ă© bonito isso? Em um mundo tĂŁo material, receber uma lĂngua — e todo seu conteĂşdo cultural, imaginário e poĂ©tico — como herança?
O mais lindo de tudo foi ver com meus prĂłprios olhos e ouvidos o desejo de aprendizagem. Sim, pois uma coisa Ă© aprender, por impulsĂŁo, porque está no currĂculo, porque a mĂŁe ou o pai obrigam a seguir. Outra coisa Ă© o desejo de aprendizagem, ou seja, quando a gente percebe na criança a alegria de dizer uma palavra, uma frase ou fazer uma pergunta na lĂngua que herdou — ou mesmo no adulto que vive lá fora, mas que, por misteriosas razões, quer falar o portuguĂŞs.
Em uma escola internacional na França, onde as crianças aprendem o idioma que seus pais falam em casa, fiquei realmente surpresa com o envolvimento dos alunos. Eles não só queriam falar, mas buscavam a leitura dos livros, pois sabem que o conhecimento precisa se sustentar no que leem. Conseguimos uma linda interação feita de palavras e de paixão pelo aprendizado.
Percebi que as lĂnguas sĂŁo pulsantes e aproximam as pessoas quase magneticamente. Outro exemplo foi quando estive na Faculdade de Artes da Universidade de Helsinque a fim de falar para estudantes adultos que desejam aprender o portuguĂŞs. Apresentei meu livro e meu trabalho em geral. Foi uma espĂ©cie de encantamento ouvir estudantes, nascidos em sua maioria na Finlândia, buscando aprender o PortuguĂŞs pelo desejo do aprendizado. Duas estudantes vieram conversar comigo apĂłs a aula. Queriam meus romances, bebiam as palavras que eu dizia como se quisessem tomar uma espĂ©cie de poção mágica e falar da mesma forma como eu, ou seja, nativamente.
Trocamos ideias e prometemos organizar discussões sobre os livros — em portuguĂŞs. Uma delas, quando eu disse, no meio de uma frase, a palavra existĂŞncia, me deu um largo sorriso e disse: “Que lĂngua linda! Eu quero muito falar assim tambĂ©m”.
ExistĂŞncia. Uma lĂngua existe e persiste, avançando no mundo quando existe paixĂŁo pelo aprendizado. Falar sobre um livro nĂŁo Ă© somente reproduzir uma leitura, mas transmitir paixĂŁo pelo conhecimento. Essa Ă© uma herança de vida que podemos deixar para filhos, netos, bisnetos.
Quando eu voltei, no aeroporto tinha uma funcionária que reconheceu meu sotaque e falou comigo em portuguĂŞs. Perguntei de onde ela era. “Angola”, me respondeu. AĂ contei sobre meu livro da histĂłria da lĂngua portuguesa, da possibilidade fazer o download gratuito do material. Ela se interessou e disse que ia buscar. E completou: “Eu queria saber por que na escola a gente nĂŁo aprende a histĂłria da Angola”.
Eu nĂŁo tive o que dizer, pois esta Ă© uma outra histĂłria…