Uma tia que guarda relíquias veio um dia desses com um desenho meu, feito quando eu tinha 6 anos. Veio com legenda explicativa, não sei se pelo motivo meio óbvio de que essa tia é psicóloga. A imagem: uma casa no topo de uma montanha ensolarada, uma árvore ao lado. Não havia pessoas ao redor. Um desenho solitário, ou, segundo ela, de alguém que gosta de estar só.
Confesso que eu não tinha percebido a solidão da imagem. Gostei da casa, do sol, da árvore, da montanha e não me ocorreu perguntar algo como “cadê todo mundo?” ou “onde eu estou?”. Claro que eu deveria estar dentro da casa, escondida, protegida. Não se sabe se havia gente dentro comigo ou sequer se a casa era realmente habitada. Mas, pelo apuro da imagem, com telhados completos, colorida por fora, a árvore bem podada, era, com certeza, a morada de alguém.
Talvez eu realmente estivesse sozinha lá dentro. Talvez minha tia estivesse certa, e a imagem é uma espécie de epígrafe ou antevisão do que eu gosto para mim hoje: não consigo me movimentar no meio de muita gente, não gosto de barulho de muitas pessoas falando ao mesmo tempo e às vezes busco desesperadamente ficar no meu canto — cada um tem sua “montanha”, que pode ser um pedaço de mesa e uma cadeira, um abajur perto de uma janela semiaberta com brisa entrando no meio da noite. Cenário ideal para repensar caminhos, terminar trabalhos e começar outros.
O que minha tia talvez não tenha capturado a respeito do meu desenho é que a gente sobe a montanha, mas também desce. E, se lá no topo pode não haver ninguém além de mim, quando eu sair da casa, descer a colina, posso encontrar abraços sinceros nas encostas. Acho que isso é o ideal da vida: subir a montanha-refúgio, que nos afasta do tumulto, dos excessos de toda a sorte, e depois descer e encontrar quem nos espere para o conforto de um abraço amigo. A gente não precisa ser obrigado a dividir nossa solidão com ninguém. Há momentos em que a árvore ao lado, como no desenho, é uma vizinhança feliz e isso basta. Ter amigos é saber que a solidão é uma escolha.