Imagine que você, mulher, é uma escritora, e um dia encontra uma daquelas feras da literatura que admira, e que essa fera está sentada na poltrona da sua casa. Agora imagine que você, no fogo desse encontro fortuito, desata a conversar com a tal fera – importante: a fera é um homem –, animadamente levantando discordâncias. E então, no dia seguinte, descobre que aquele homem nunca mais quer ver você, que afinal você só o contradiz, e é mulher. Aí está: você é mulher e ele detesta as mulheres.
O episódio é verídico. Aconteceu com Lydie Dattas. A fera, no caso, era Jean Genet, o irrestritamente sincero em vez de hipócrita. E o que fez Lydie depois da porta fechada? O que fez com aquele nada em que Jean Genet a transformava? Lydie preparou sua revanche por semanas. Do ódio daquele homem que ela admirava, fez nascer seu bloco de escuridão. A noite espiritual. Um canto desgraçado de mulher, de pensamento sem luz.
Lydie fez cantar as trevas dessa mulher banida, fadada a viver sua miséria de espírito numa escrita que é a de seu próprio luto. Ela canta para aquele homem que não pretendia mais dar-lhe ouvidos. Faz cantar para ele a mulher-nada, essa que obscurece tudo o que toca com o pensamento, essa indesejada no mundo da grande beleza, que aceita sua noite, sua morte, sua nulidade de espírito como adubo terrível do seu canto.
Era assim que Lydie devolvia a maldição ao próprio dono em corpo de poema. Ela queria ferir profundamente, tanto quanto tinha sido ferida: “morte por morte”. Com uma escuridão magnífica. Quando terminou o poema, Lydie o enviou a Jean Genet. No dia seguinte, ele batia à sua porta. Ela conta essa história brevemente na introdução d’A noite espiritual. Do anexo da edição, constam três cartas à autora: de Ernst Jünger, Jean Grosjean e Jean Genet. A de Jean Genet termina assim: “Levei uma bofetada”.