Até algumas semanas atrás, era abrir a gaveta de uso diário e ver uma ponta do velho envelope se insinuando com tua foto. De vez em quando eu puxava a foto do envelope até a metade, só para olhar o teu sorriso, depois os teus olhos, que também me olhavam.
Não sei o que terá sido feito das dezenas de cópias dessa foto em cujo verso tua mãe escreveu, num dia de maio, até os ossos doerem, aquela absurda mensagem apaziguante aos que ficavam, como se fosse em tua letra e tua voz. Não sei se todos os responsáveis por essa foto ainda a têm guardada, passados quase trinta anos. A que me coube cuidar, esteve comigo até poucas semanas atrás. Também a mensagem do verso esteve comigo: que não te esquecêssemos.
Grande assombro da minha vida, a morte com tua cara de menina, com teus cabelos grossos e brilhantes, teu corpo viçoso, como eu te esqueceria? Se todo mês de maio há essas flores rebentando para me lembrar, e o que vinga nem é mais fruto de promessa, mas algo assim natural e inevitável como essa explosão magenta na ponta dos cactos.
Nunca me ocorreu te expor num porta-retrato. Há coisas que estimamos tanto que mal lhes colocamos palavra, quanto mais vidro e moldura. Agora suspeito ter te deixado dentro de algum livro, quem sabe inventando uma surpresa para os meses que não dão flor. Também me pergunto se alguém já muito longe tem o poder de se esquivar de ser lembrado. Se assim for, se dificulto tua liberdade de morrer de vez, me desculpa, eu não saio a te buscar. Nem o que digo aqui quer molestar o teu descanso. Eu apenas me lembro, como essas flores se lembram de rebentar.