Eles usam tantas máscaras. Nesses tempos, entĂŁo, máscaras sobre máscaras. TĂŞm tambĂ©m um rosto comum. Nem Ă© preciso falar desses assassinos explĂcitos de crianças, que bem podiam ter a Ăşnica decĂŞncia de se antecipar ao jĂşri popular e descer direto para o nono cĂrculo do inferno de Dante. Nem Ă© preciso chegar a esses.
Lembremos antes os perversos mais sutis. Os que sabem ir minando uma infância em golpes controlados. Os que mal baixam os olhos, que não respondem, sempre ocupados com outras coisas tão importantes, ou o contrário, os de olhos fixos, que acarinham demasiado. Os que nunca ergueram a mão para uma criança, mas sabem como torturá-la exemplarmente com palavras, ou o silêncio, ou só um olhar.
Os que roubam da infância suas horas livres, seus desenhos selvagens, seu jeito raro de ser, sua espontaneidade. Os inoculadores de culpa, vergonha, medo, os fazedores de arminhas, os doadores de falsas bênçãos, e ainda os que fazem voz de bobos para falar a essas crianças.
Quantos meninos, quantas meninas, de infância terminada antes de saĂrem dela. E quantos, quantas, nos meandros de seus traumas, conseguem ainda salvaguardar alguns retalhos de doçura e confiança apenas para recreação prĂłpria. Seja como for, a infância da humanidade se distribui indistintamente entre os que lhe cuidam e os que a dessangram, e essa Ă© uma batalha sem pausa, em meio Ă qual nossos pequenos mal conseguem pedir socorro.
Se, por um excepcional acaso, alguma dessas crianças cruzar a linha para o lado de cá, dos sem infância, trazendo ainda algo de si intacto, sua atenção que nĂŁo descanse. Eles estĂŁo sempre por aĂ, nĂŁo importa onde, se ao redor da praça ou no quarto ao lado. AlguĂ©m de olho nesse sol escondido. AlguĂ©m que cuida ou dessangra, sem pausa.