Outro dia vi uma foto de Mary Moore garotinha amassando argila ao lado do pai escultor. Pensei na criança que foi minha mãe, que também cresceu dentro de um ateliê. Não amassava argila, mas tinha ali sua pequena prancheta, um piano de brinquedo e um pato de balanço dividindo espaço com o cavalete do pai e os objetos que serviam de modelo.
Numa prateleira inalcançável às crianças, ficavam as marionetes aguardando sua hora. Eram marionetes de palhaços que desciam de quando em quando para a cenografia da festa. E no que consistia essa festa? Minha mãe menina via a cena sendo montada, os bonecos cada um assumindo seu lugar na composição, irmãos dos pratos e vasos das naturezas-mortas. Mas, ao contrário dos vasos e dos pratos das naturezas-mortas, os palhaços erguidos por suas cordas dançavam, tocavam piano, tambor, trompete.
Como a pequena Mary Moore, minha mãe também tinha acesso a esse misterioso espaço de oficina pensante do artista, como se o próprio mistério lhe fosse familiar. Aqueles palhacinhos que ela não podia tocar, sonhava com eles à noite (e eram sonhos com calafrios). E embora o pai artista estivesse basicamente compenetrado em questões de composição, coincidia com a infância da menina essa outra infância a sério, na pintura, com seus bonecos dançantes. Era a filha que emprestava para o pai artista seus brinquedos, o pato azul, o pianinho, até sua boneca. Emprestava-se também, ela mesma, quando posava.
Converso com minha mãe sobre os quadros de interior dessa época, entre os quais aparecem essas figuras de circo e de sonho. Vem-lhe o cheiro da terebintina e das tintas, sua madeleine mnemônica. Ela revê as antigas marionetes no alto da prateleira, depois descendo uma a uma para a festa, como se acordassem de um sono profundo. E no que consistia a festa para aquela criança de ateliê? Que brincadeira era aquela em que só as figuras podiam dançar à vontade? Era uma brincadeira diferente. Era um espetáculo para os olhos.