🔓 Explosões

A luta da vida – tão banalizada pelas violências ao redor – para estar à altura da beleza dos ipês de setembro
11/09/2021

Os ipês andam estourando suas flores berrantes pela cidade e eu tenho um silêncio cheio de palavras para essas calçadas forradas de amarelo. A miséria também rebenta pelas ruas num populoso protesto descalço, sem dia nem local certos nem data marcada, porque todos os dias, a toda hora e em toda a parte.

Setembro é o estertor dos homens-tanque, dos homens-pistola, dos subnazis, a indisfarçável derrocada dessa gente virulenta entre os ipês explodindo em amarelo e uma população em tudo abandonada. É o gorgulho de agonia do monstrengo e seu palavrório ficando remoto, como se de volta aos esgotos, no despontar da primavera nessas lamparinas de pétalas ensolaradas.

Setembro é também um Drummond esplendidamente lascivo, o amor dos banquetes domésticos em que matamos nossa fome de nos transportar além estando aqui, com os nossos próprios parcos recursos, só bastando para isso a oportunidade de um chão. Setembro dos homens com deuses entre as pernas, florindo em arrepio e círculos concêntricos, sem ofensa ao sacrossanto céu de ninguém.

É o cano da morte à queima-roupa se curvando na queda de braço com o que não morre, com o que volta, escangalhado mas volta, incendiado mas volta, nu e em rama. É o tesão dos ipês aflorados nos incitando à prova de um esplendor à sua altura. E um esplendor à altura desses ipês luzentes não é prova fácil. É poema de setembro, de explodir fora da página.

Mariana Ianelli

Nasceu em São Paulo em 1979. Formada em jornalismo, mestre em literatura e crítica literária, estreou na poesia em 1999 com Trajetória de antes. Em 2013, estreou na crônica com Breves anotações sobre um tigre. É também autora de dois livros infantis. Desde agosto de 2018, edita a página Poesia Brasileira no Rascunho. Escreve quinzenalmente, aos sábados, na revista digital de crônicas Rubem.

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