Era uma conversa Ă toa, perfeitamente esquecĂvel, quando um de nĂłs facilitou para os mortos. “Seu avĂ´ já está longe”, diz minha mĂŁe, “mas sua avĂł, sinto que ela ainda está entre a gente”. Eu olho para roda de carroça que era a mesa da sala da casa dos avĂłs, agora na sala da mĂŁe e no centro da conversa. Aquele silĂŞncio.
Passamos aos dramas hodiernos, que sĂŁo muitos e estĂŁo Ă escolha para o debulhar das nossas queixas. Escolhemos as contas de telefone, que dispararam com ânsia que andamos tendo da voz do outro. Consideramos cortar nossos nĂşmeros fixos. Minha mĂŁe quase cortou o seu, um tempo atrás, mas nĂŁo conseguiu, nĂŁo teve coragem. Há mais de 50 anos que aquele nĂşmero existe na famĂlia. A mĂŁe era ainda uma garotinha quando vieram instalar a linha em casa. Depois de casada, ela ganhou uma extensĂŁo da linha.
Era o nĂşmero de telefone da casa dos avĂłs, ativo feito um trem, usado em todo tipo de conversa, notĂcias dos amigos, fofocas domĂ©sticas, mensagens do exterior, assuntos de negĂłcios, convites, felicitações, pĂŞsames, uma teia de muitas vidas. Um trem atĂ© para sofisticadas escutas clandestinas. Um telefone que nĂŁo parava quieto, realmente. Ao longo das dĂ©cadas, ganhou dois algarismos e passou para minha mĂŁe, tanto herança quanto resquĂcio.
Hoje quase ninguĂ©m mais liga nesse nĂşmero, a nĂŁo ser associações de caridade, um ou outro desavisado querendo falar com nossos finados, tambĂ©m um ou outro criminoso telefĂ´nico praticante do golpe do sequestro. Mesmo assim, a linha continua ativa. Quem sabe, quando a mĂŁe criar coragem, ela desliga o telefone e minha avĂł finalmente se desata da sua ronda tardia? SugestĂŁo para depois da charla em famĂlia. SugestĂŁo Ă toa, de cronista.