Eu ainda nĂŁo sabia escrever, mas sabia, por algum misterioso motivo inacessĂvel a mim mesma, que gostaria de me expressar com palavras. Mas talvez eu nĂŁo seguisse este caminho das palavras nĂŁo fosse alguĂ©m observando em que direção ia minha incipiente vocação. Eu nĂŁo sabia escrever e falava um vocabulário cheio de erros infantis quando meu pai criou um programa de rádio e, juntos, todas as manhĂŁs de domingo, a gente falava sobre assuntos diversos e ele gravava e nomeava o que fazĂamos de “programa de rádio”.
Todas as pessoas que chegavam a minha casa tinham que ser entrevistadas. Oferecia um cafĂ© com leite frio, pois ainda nĂŁo sabia ligar o fogo, sentava a vĂtima no sofá de napa azul da sala e começava as perguntas. Eu queria saber a histĂłria de todas as pessoas. Aquela inadequação infantil nĂŁo era vista com maus olhos nem recriminada; pelo contrário: meus pais riam e gostavam. Eu me sentia, entĂŁo, motivada a seguir buscando conhecer a histĂłrias de todas as pessoas.
Quando aprendi a escrever, tudo o que eu via ou sentia tinha que ser registrado. O diário não falava apenas de mim, mas das situações que me rodeavam. Me lembro de um “personagem” que chamava a minha atenção na porta da escola — o pipoqueiro. Eu escrevi sobre ele, porque me dava muita pena vê-lo arrastando aquela sua pequena fábrica ladeira acima — o colégio ficava no alto da rua.
Acredito em vocação. Acho que as pessoas nascem predispostas a seguir um caminho e a declinar outros. Mas a vocação não persiste sem que haja na infância olhos observadores para impulsionar as primeiras escolhas. Todas as noites, quando meu pai chegava do trabalho, reservava alguns minutos para que a gente conversasse sobre algum livro. Eu não nasci amando ler, de forma alguma. Foi um hábito cultivado dia a dia, noite a noite. Nem sempre eu gostava dos livros que ele escolhia, mas era bom dividir com ele as histórias e saber que eu tinha na minha casa mãos que me conduziam para onde eu queria estar — no mundo das palavras.
A vocação precisa ser estimulada. Este estĂmulo vai criar memĂłrias eternas. Hoje eu preciso achar onde estavam aquelas fitas cassetes (sou dessa Ă©poca) e me reencontrar no tempo do rádio…