Minha infância teve fĂ©rias luxuosas. NĂŁo me refiro a lugares paradisĂacos nos termos em que as redes sociais estipularam. Eu vivi – e acho que atĂ© de certa forma ainda tento viver um pouco – sem que esses mandamentos me definam. As fĂ©rias luxuosas eram na casa da minha avĂł, em Minas. Eram os meses mais felizes da minha vida. Eu estava livre das obrigações escolares, da condição de ter que me adaptar Ă quelas intrigas que se estabelecem ao redor de nĂłs na escola e da qual apenas nos livramos no dia em que percebemos que a opiniĂŁo dos outros em relação a nĂłs nĂŁo tem a menor relevância. Pena que sĂł descobrimos isso quando saĂmos da escola.
A casa da minha avĂł era um pequeno apartamento tĂ©rreo com duas áreas onde eu e prima, primos e tias tomávamos sol e usávamos a mangueira Ă guisa de piscina. Ter tido na infância uma famĂlia grande foi o maior dos meus agradecimentos Ă vida. Eram dias repletos que se seguiam em andanças pela cidade, lanches, conversas acaloradas com todos os que se achegavam. A casa da minha avĂł era uma espĂ©cie de porto, para onde acorriam todos, cada qual com suas questões. A sala de televisĂŁo era o lugar das reuniões que misturavam sentimentos diversos de um assunto para o outro.
Eu dormia sempre com a minha avĂł, na cama grande dela. Meu avĂ´ era desalojado para o quarto ao lado. Ela acordava muito cedo. Quando eu abria os olhos, ia correndo na cozinha para ver como aquela senhora inquieta e falante se movimentava em sua rotina; eu gostava de observar os gestos, a forma como ela tirava o queijo do plástico e espalhava na lasanha, como ela esparramava o leite condensado em sua famosa torta de biscoitos… Mas de tudo, de tudo mesmo, o que eu mais gostava era do cafĂ© com leite com “pĂŁo de sal”. Eu chamava aquela iguaria de “pĂŁo careca”. Meu avĂ´ trazia da padaria um saco gigante de pĂŁo que era para todos depois que viessem desaguar naquele porto.
Na minha casa não havia café, simplesmente porque minha mãe não gostava. Então a descoberta daquele café com leite de saquinho, no copo de geleia, era um suprassumo da alegria. Minha avó colocava para mim, me dava o pão com manteiga – meu Deus, existe algo mais saboroso no mundo?
Esses gestos simples, coisas miúdas, estão sempre comigo. Quando fecho os olhos e quero pensar em coisa boa, me lembro da simplicidade amorosa que foi a minha infância na casa da minha avó. Acho sinceramente que o mundo precisa resgatar o prazer das pequenas coisas, pois, recheadas de emoção, são o que nos faz feliz de verdade. Pelos menos é assim comigo. O que eu carrego de mais eterno são as memórias das pequenas coisas.