Uma das minhas viagens mais repentinas e surpreendentes aconteceu quando eu fui convidada para a Cidade da Guatemala, a fim de participar da Feira do Livro. De todas as coisas que mais me encantaram, a experiência cromática foi sem dúvida o melhor de tudo. Nunca tinha visto um artesanato tão bonito, bordados tão bem-feitos e coloridos. Viajei para falar de literatura, adorei conhecer aquela gente e os leitores, e ainda me apaixonei pelos tecidos que as artesãs espalhavam pelas ruas — depois percebi a relação entre tudo aquilo.
No Ăşltimo dia, fomos levados Ă cidade de AntĂqua, uma beleza de lugar, onde o artesanato Ă© ainda mais farto. Fiquei horas andando pelas ruas histĂłricas e, se nĂŁo tivesse levado uma mala tĂŁo pequena (tenho pavor de malas grandes, um dia talvez consiga entender o motivo), eu teria comprado vários tapetes e tudo o que coubesse no aviĂŁo. Levei apenas um joguinho americano que guardo atĂ© hoje como relĂquia.
TambĂ©m trouxe na memĂłria umas palavras que juntei a partir da inspiração das artesĂŁs: casa de pano. Seria o tĂtulo de um livro infantil que um dia eu escreveria. NĂŁo tinha a menor ideia de como seria a histĂłria, mas o tĂtulo estava pronto. Meus processos de criação geralmente envolvem uma imagem que me leva a pensar em um tĂtulo e depois toda histĂłria se desenvolve — como os fios coloridos dos bordados guatemaltecos.
SĂł que eu nĂŁo teria uma histĂłria se nĂŁo juntasse Ă s cores um elemento perturbador para criar na trama o elemento-tensĂŁo. AĂ pensei que os terremotos que historicamente destruĂram o local e sĂŁo ameaça frequente com a erupção dos vulcões ativos seriam o contraponto que eu precisava. Sem perder a esperança na construção dos sonhos-bordados, mas pensando que a vida tem momentos de erupção, tensĂŁo, medo e destruição.
Ainda nĂŁo terminei a histĂłria. Muitas vezes, depois que a primeira ideia cintila, costumo demorar alguns anos atĂ© escrever na mente as frases iniciais e sĂł depois seguir adiante no teclado. Estive na Guatemala em 2016, vejam como sĂŁo lentos meus processos criativos. AlĂ©m do tĂtulo, criei uma espĂ©cie de epĂgrafe: “Que nada nos derrube o sonho — nossa casa de pano”.
Maria, a pequena construtora da histĂłria, Ă© aquela menina bem pequena que eu vi correndo com os panos bordados de um lado para o outro em AntĂqua e de quem tirei uma foto. Viajei de volta com a imagem de Maria e atĂ© hoje ela me sopra os rumos de A casa de pano, que lentamente escrevo, bordo, costuro, ponto a ponto, colorido a colorido. Minha escrita Ă© viajante.